Psicologia e Política
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em set. 2016
Quando a psicologia surge como ciência no século XIX ela se ocupa principalmente do indivíduo: seu comportamento, suas atividades cognitivas, sua psyché. Sem deixar de lado o aspecto psicológico e individual da existência humana, alguns pesquisadores procuram preencher uma lacuna deixada pela psicologia ao longo da história, fazendo com que ela também se debruce sobre os aspectos sociais do comportamento e suas motivações, o que inclui aí também a esfera da política. Tomadas isoladamente, a Psicologia e a Política são campos bastante ricos e passíveis de múltiplos olhares. E ambos possuem relações bastante estreitas com a Sociologia, a Antropologia, o Direito. Por que não teriam relações igualmente entre si? Em tempos de interdisciplinaridade, não se pode mais pensar uma área do conhecimento isolada das demais. O desafio da Psicologia e da Política é incorporar fatores de ordem social, política e psicológica, para explicar e compreender a realidade social como um todo e debruçando-se sobre temas específicos como: racismo, xenofobia, participação social, saúde pública, relações de poder. Sem esquecer que o individual e o social estão integrados na vida social. “O ponto de intersecção entre essas duas áreas científicas, Psicologia e Política, tem sido a preocupação com a construção de um universo de debate em que nem as condições objetivas nem as subjetivas estejam ausentes” (ALMEIDA; SILVA; CORRÊA, 2012).
Disponível em: Encuentro Interuniversitario de Psicología Social
Acessado em 31/08/2016.
Louise Lhullier (2008) menciona como Gustav Le Bon, no final do século XIX e início do século XX, procurou estudar do ponto de vista psicológico o comportamento político, em obras como Psychologie des Foules (1947), onde aborda a temática das “massas eleitorais” e Les Opinions et les Croyances (1919) na qual um capítulo é dedicado à discussão da influência de livros e jornais na formação da opinião pública. Leandro Rosa e Alessandro Silva (2012) citam, além de Le Bon, La Psychologie Politique et la Défense Social (1963), autores como Emile Boutmy: Essai d’une Psychologie Politique du Peuple Anglais au XIXe siécle (1901); Elements d´une Psychologie du Peuple Americane (1902); The English People: a study of their political psychology (1901); Elouy Luis Andre: El Histrionismo Español: ensayo de psicología política (1906); e Victor de Britto: Gaspar Martins e Julio de Castilhos: estudos críticos de psychologia política (1908).
Leandro Rosa e Alessandro Silva (2012) situam a obra de Le Bon, La Psychologie Politique et la Défense Social (1963) como um marco para a configuração da área psicologia política como disciplina independente. Para situar historicamente a Psicologia Política, Louise Lhullier (2008) recomenda a leitura de autores como: Penna (1995), que traça um panorama do “conceito e evolução da Psicologia Política”; Deutsch (1995) que reconheceu a influência e determinantes dos processos políticos sobre os processos psicológicos e vice-versa; além de autores como Ardila (1996), Hermann (1990) e Ponte de Souza (2004). E ilustrando a relação entre psicologia e política a partir de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos de Comportamento Político – LABCOMP – da Universidade Federal de Santa Catarina, Louise Lhullier procura demonstrar como fatores psicológicos podem influenciar na hora de votar em uma eleição presidencial, como no caso da pesquisa analisada considerando a disputa entre os candidatos Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Entre as razões do voto apareceram tanto questões de ordem política e ideológica, quanto desejos de mudança e identificação com o candidato, como por exemplo o fato do candidato Luís Inácio Lula da Silva ser de origem pobre e metalúrgico. Fatores psicológicos também aparecem como motivadores de rejeição, como uma carga afetiva negativa em relação ao comunismo, movimentos sindicais, associados à ideia de greve, bagunça e desordem.
[...] foram construídas representações dos dois candidatos [...] a maneira como foram colocados e a avaliação desses conjuntos de dados “objetivos” variou de acordo com referenciais valorativos que, de certa forma, produzem derivações a partir das representações compartilhadas por todos, ou seja, representações que contêm elementos gerais mas que apresentam especificidades por subgrupo, dependendo dos sentimentos dos entrevistados em relação ao candidato (2008, p. 117).
Reis e Guareschi (2010) destacam que as práticas psicológicas não podem apenas ocupar-se de sujeitos abstratos, retirados de seus contextos sociais, o que provoca um distanciamento da possibilidade de compreensão dos sujeitos enquanto seres sociais. Ao passo que a Psicologia trabalha com sujeitos de um determinado momento histórico da sociedade. “Diante disso, qualquer intervenção realizada com os sujeitos produz efeitos no coletivo, sempre havendo uma implicação política, pois essa prática é sempre uma ação sobre a vida desses sujeitos” (2010, p. 857).
Os horizontes da psicologia política se ampliaram na década de 1970 com o surgimento da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1984; SÁ, 1993), representando uma possibilidade promissora de superação do pensamento dicotômico entre o indivíduo e a sociedade, permitindo pensar atitudes, opiniões, valores e crenças como parte de uma rede mais ampla além dos elementos cognitivos aí presentes como possibilidades de orientar decisões de natureza social e política.
A questão central é pensar que o comportamento político é bem mais complexo e não pode ser explicado apenas a partir de fatores sociais, mas que processos psicológicos de preferências e valores influenciam o comportamento político, embora as causas sociais sejam talvez as mais influentes e as mais fáceis de serem analisadas. Um comportamento político pode ser moldado a partir de várias influências, como amigos, família, educação, região, mas pode também ser orientado por fatores e crenças pessoais, que pode não ter nada a ver com as ideias compartilhadas pelo grupo familiar, por exemplo.
O estudo da relação entre Psicologia e Política vem ganhando cada vez mais relevância acadêmica e já conta com uma Associação Brasileira de Psicologia Política além de uma revista especializada no tema, como a Revista Psicologia Política. De acordo com o editorial da Revista, a missão da mesma consiste em
publicar estudos originais no campo interdisciplinar da Psicologia Política, os quais devem tratar das problemáticas oriundas dos pontos de intersecção entre as áreas da Psicologia e das Ciências Sociais e Políticas. Assim, desejamos fomentar a reflexão sobre os múltiplos aspectos do comportamento político na sociedade e a construção de un (sic) universo de debate no qual nem as condições objetivas nem as subjetivas estejam ausentes. Os manuscritos podem ser orientados por diferentes abordagens teóricas e metodológicas, sendo temas de interesse da RPP, a Consciência Política, os Comportamentos Coletivos, as Políticas Públicas, os Discursos e Antagonismos Políticos, o Preconceito Social, diferentes formas de Racismos e Xenofobias, as Ações Coletivas e os Movimentos Sociais, a Violência Coletiva e Social, os Direitos Humanos, a Socialização política, o comportamento eleitoral, as relações de poder, valores democráticos e autoritarismos, a participação social, comunidades e ideologias, práticas institucionais e Memória Coletiva (RPP, 2016).
Em 2012 foi lançada a obra Psicologia política: debates e embates de um campo interdisciplinar, organizada por Marco Antônio Almeida, Alessandro Soares Silva e Felipe Corrêa. O livro está dividido em três blocos, sendo que o primeiro trata de temas relacionando a psicologia política com o poder, a loucura e prisões; o segundo bloco aborda um enfoque da psicologia política no campo das políticas de saúde e do esporte; e por fim sua relação com a democracia e os direitos humanos.
É válido mencionar ainda a existência do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) que tem como objetivo geral “sistematizar e difundir conhecimento sobre a interface entre práticas psicológicas e políticas públicas” e como objetivos específicos:
• Promover o conhecimento sobre as práticas de profissionais psicólogos atuantes no campo das políticas públicas;
• A partir desse conhecimento, construir e disponibilizar referências técnicas para a atuação do psicólogo no campo das políticas públicas;
• Oferecer possíveis contribuições para a construção de políticas públicas humanizadas, fortalecendo a compreensão da dimensão subjetiva presente nessas políticas;
• Identificar oportunidades estratégicas de participação da Psicologia nas políticas públicas;
• Promover a interlocução da Psicologia com espaços de formulação, gestão e execução em políticas públicas (CREPOP, 2016).
No site do CREPOP é possível encontrar documentos que destacam a atuação dos psicólogos no campo de políticas públicas como orientações na área das políticas de saúde do SUS.
Reis e Guareschi também dão ênfase às práticas psicológicas no campo das políticas de saúde, avaliando o exercício do Controle Social e de como “a Psicologia tem experienciado a participação nas equipes profissionais e o compromisso social junto ao SUS” (2010, p. 864). A Psicologia está inseria no SUS a partir de um conceito construído de saúde que enfatiza não apenas a doença, mas a promoção das condições de vida dos sujeitos de forma integral e contextual.
Referências Bibliográficas
ARDILA, R. Political Psychology; the Latin-American perspective. Political Psychology, v. 17, n. 2, p.339-51, jun. 1996.
DEUTSCH, M. Qué es la Psicología Política? Revista Internacional de Ciências Sociais, UNESCO, n. 96, 1983.
HERMANN, M. G. (Ed.) Political Psychology. San Francisco, Jossey-Bass, 1990.
LE BON, Gustave. Psychologie des Foules. Paris: Presses Universitaires de France. 1895/1947.
____. Les Opinions et les Croyances. Paris: Ernest Flammarion, 1919.
LHULLIER, Louise A. A psicologia política e o uso da categoria “representações sociais” na pesquisa do comportamento político. In ZANELLA, A.V., [et al.], org. Psicologia e práticas sociais [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. pp. 110-120. Acessado em 30/08/2016.
MOSCOVICI, S. The Phenomenon of Social Representation. In: FARR, R.; MOSCOVICI, S. (Eds.) Social Representations. Londres, Academic Press, 1984.
PENNA, A. G. Introdução à Psicologia Política. Rio de Janeiro, Imago, 1995.
PONTE DE SOUZA, F. Histórias Inacabadas: um ensaio de Psicologia política. Maringá, EDUEM, 1994.
REIS, Carolina dos; GUARESCHI, Neuza M. de F. Encontros e Desencontros entre Psicologia e Política: Formando, Deformando e Transformando Profissionais de Saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(4), p. 854-867, 2010. Acessado em 31/08/2016.
ROSA, Leandro; SILVA, Alessandro Soares. A psicologia política: um breve olhar sobre as Américas. In: ALMEIDA, Marco Antônio B. de; SILVA, Alessandro Soares; CORRÊA, Felipe (orgs.). Psicologia política: debates e embates de um campo interdisciplinar. São Paulo: Escola de Artes, Ciências e Humanidades – EACH/USP, 2012.
SÁ, Celso Pereira. Representações Sociais; o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M. J. (Org.) O Conhecimento no Cotidiano. São Paulo, Brasiliense, 1993.
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