Visualizando o Orçamento do Brasil
Antes de me atrever a falar sobre o processo orçamentário[1], gostaria que você analisasse rapidamente a seguinte frase:
Para a área de Educação, o Orçamento prevê a aplicação de R$ 82,3 bilhões em despesas referentes à manutenção e desenvolvimento do ensino.
O que isso significa? Além de indicar que determinado valor (mais de 82 bilhões!) será destinado à área de Educação, o que mais é possível compreender aqui? Esse valor é muito ou é pouco? E se a frase fosse colocada da seguinte maneira?
O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quarta-feira (18) o Orçamento de 2014, com previsão de receita de R$ 2,488 trilhões. Para a área de Educação, o Orçamento prevê a aplicação de R$ 82,3 bilhões em despesas referentes à manutenção e desenvolvimento do ensino.
Ficou mais fácil de visualizar? Pra muitos, talvez; pra a imensa maioria, são apenas números de grandes proporções.
Mas qual é a importância desses números?
Aquelas duas frases citadas no começo deste post possuem exatos 19 parágrafos entre si e foram transcritas da notícia abaixo, veiculada no portal de notícias da Globo (G1):
Congresso aprova Orçamento de 2014 (“Atualizado em 18/12/2013 10h59″)
Na verdade, é mais ou menos assim que costumávamos consumir notícias. Hoje em dia, os infográficos são bastante utilizados para facilitar a comunicação de ideias, principalmente quando se deseja representar proporções. Entretanto, nenhum diagrama ou infográfico foi utilizado naquela publicação, pelo menos até o momento em que a visualizei (4 de fevereiro, 2015).
Mesmo sem lançar mão de uma calculadora ou mesmo da cuca pra fazer uma conta rápida, percebe-se que a disparidade entre os números é muito grande, com ordens de grandeza significativamente distantes. Mas isso importa? Leia abaixo o que a população, aquela que tem o direito a obrigação de votar, tem a dizer sobre onde o Brasil precisa de mais atenção:
Brasileiro elege saúde, segurança e educação como prioridades para 2014
Além do título, você só precisa saber disso aqui: “Quase metade da população brasileira (49%) diz que melhorar os serviços de saúde deve ser prioridade para o governo federal em 2014, ano de eleição do novo presidente da República.”
Guarde essa informação aí por uns instantes: saúde, segurança e educação.
O que é orçamento, afinal de contas?
O famoso sociólogo Betinho definia mais ou menos assim: É através do orçamento público que se lê a alma do governante. Por conter as provas de um jogo injusto é que o orçamento é tão complicado, técnico, oculto, disfarçado, arredio.
Essa palavra cai como uma luva para nós brasileiros, veja só. Orçar vem do italiano orzare, que significa “navegar contra o vento”, já que esta operação implica em fazer um cálculo estimativo (via Consultório Etimológico). Já o Wikipedia manda assim: Orçamento é a parte de um plano financeiro estratégico que compreende a previsão de receitas e despesas futuras para a administração de determinado exercício.
Ao longo deste texto, me refiro ao orçamento federal (da União), assim vale lembrar que os estados e municípios também possuem seu próprio orçamento, cuja arrecadação é oriunda de impostos, tributos, e taxas estaduais e municipais, além do repasse do governo federal.
Assim como você faz naquela planilha Excel sem senha, o governo também deve gerenciar como vai gastar ou investir sua renda (receita, arrecadação), seu dinheiro. Você ganha, ou espera ganhar, 2 mil reais por mês, com os quais você deverá pagar despesas essenciais, tais como alimentação, impostos, moradia, taxas, educação, transporte, tributos, etc.
Da mesma forma, o governo espera ganhar (arrecadar) alguns trilhões de reais por ano, levando em consideração que parte do orçamento do país será destinado às areas essenciais: saúde, segurança, aposentadorias, salários, etc. Mas, qual critério é utilizado para destinar o dinheiro de maneira responsável, ou tendo em vista o melhor para a população?
Basicamente, se o dinheiro é bem investido, mais chances de prosperidade, do contrário, não é navegar contra o vento, mas enfrentar uma terrível tormenta!
Enfim, assim como o país deve planejar, ou seja, visualizar ações antecipadamente, você também deve definir o destino, determinar metas para o seu dinheiro – o que não parece ocorrer com, pelo menos, 22% da população que tem acesso ao cheque que de especial só tem o nome.
Orçamento 2014
Hoje em dia é possível lançar mão de tecnologia (software) que possibilita a análise e visualização de dados de maneira simplificada, o que é extremamente importante, especialmente em um mundo hiper conectado, onde o volume de dados gerado aumenta muito rapidamente.
O SIGA Brasil é um sistema de informações sobre orçamento público, que permite acesso amplo e facilitado ao SIAFI e a outras bases de dados sobre planos e orçamentos públicos, por meio de uma única ferramenta de consulta.
Dessa forma, utilizando os dados desse sistema em conjunto com plataformas de análise de dados é possível gerar visualizações, base para os infográficos e diagramas que vemos por aí.
No orçamento, cada área destino possui uma subárea ou finalidade específica (ex.: Educação → Educação Superior), entretanto, para facilitar a visualização do gráfico abaixo tendo em vista os principais temas, nem todas as finalidades são especificadas.
O gráfico abaixo considera os valores pagos, referente ao ano de 2014. Quanto mais larga a linha, maior o valor pago ou destinado a determinada área ou subárea:
Fonte: https://www8a.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=4434917
Quando se compara essa visualização com as tradicionais planilhas, ou mesmo com os piecharts (gráficos de pizza), percebe-se aqui algumas vantagens, mas principalmente, a ideia de fluxo e melhor noção de proporcionalidade.
O que fica claro?
- Mais da metade do orçamento, ou seja, mais de R$ 1,2 trilhão, é destinada aos “Encargos Especiais”, que mais parece uma área criada para acomodar os gastos com a dívida pública;
- A Previdência é muito oneorsa, o que não é nenhuma novidade para o país com o regime de pensões mais generoso do mundo. Algumas estatísticas mundiais aqui, para comparação;
- Dado que os destinos estão ordenados por valores pagos, percebe-se que a Segurança Pública se perde em meio as outras áreas que recebem menos investimentos da lista.
O que não fica claro?
- O que é feito com o dinheiro destinado às áreas “Outras Transferências” e “Outros Encargos Especiais”, oriundos de “Encargos Especiais”? Afinal, trata-se de mais de R$ 290 bilhões!
Segurança Pública
Ao se comparar a área relativa às despesas ou aos investimentos em Segurança Pública, equivalente a pouco mais de R$ 7 bilhões, com o todo (orçamento total), percebe-se, mesmo sem saber valores exatos, que a desproporcionalidede é muito grande.
No gráfico abaixo, a área em vermelho representa, proporcionalmente, o valor destinado à área de Segurança Pública, o que claramente demonstra essa desproporção:
Você acha que isso tem alguma relação com o recorde histórico de mais de 56 mil homicídios ocorridos no Brasil em 2014? Ou ainda, que isso tem a ver com o fato de o país possuir a maior frota de blindados do mundo? Em parte, sim! Mas, que as Polícias Federal e Rodoviária Federal tiram leite de pedra com este investimento desprezível, não tenha dúvidas.
A Segurança, assim como outros destinos do orçamento, é de responsabilidade compartilhada, entre o Governo Federal e os estados, assim seria pouco prudente traçar qualquer paralelo mais aprofundado entre a falta de segurança e apenas o investimento Federal em Segurança Pública, sem considerar outros orçamentos mais específicos (estadual/municipal).
Entretanto, considerando-se que, no mínimo, um terço desse investimento é destinado ao pagamento de salários, sobra-se muito pouco para investimentos na área. Imagine só, equipamentos, qualificação, armamento, infraestrutura dos departamentos de polícia e por aí vai.
Para se ter uma idéia, em 2010, a Polífica Federal, aquela que apura infrações penais contra a ordem política (vide Mensalão, Lava Jato/My Way), faz segurança das fronteiras, combate o tráfico de drogas e outros crimes na esfera federal, teve pouco mais de R$ 28 milhões para investir. Valor similar foi investido em uma startup carioca que facilita a vida de quem precisa pedir um táxi!
Só pra constar, sabe onde o Brasil gastou investiu a mesma quantia em 2014? Naquela copa que tomamos de 7 a 1 da Alemanha.
Educação & Saúde
O mesmo se aplica às áreas de Educação e Saúde? Veja abaixo como estas áreas aparecem em relação ao todo, utilizando a mesma abordagem mostrada acima:
Em relação à Educação, quando comparado ao PIB, o Brasil investe acima da média que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) investem, neste caso, trata-se de quase R$ 81 bilhões.
Há quem diga que o problema não está na falta de investimentos ou recursos na área, mas na falta de competência da Administração Pública, na falta de gestão. O aumento dos salários dos professores é uma necessidade clara, mas como isso deve ser resolvido? Apenas aumentando o investimento público não parece ser a única ou melhor maneira.
A mesma OCDE, indica que a educação de um brasileiro é feita com um terço do valor gasto com um estudante dos países ricos, em média, traçando uma relação entre investimento e número de alunos (população). Daí a necessidade de gerar estatísticas per capita, conforme destacado por um professor na reportagem da BBC Brasil.
Além das análises econômicas e sociais, a OCDE também é responsável pelo desenvolvimento e aplicação do PISA, o exame de matemática, leitura e ciências direcionado aos jovens que acabaram de concluir o ensino básico. Nos últimos anos, o Brasil tem ficado abaixo dos 50 primeiros da lista, o que é um forte indicativo da má qualidade de ensino no país.
O relatório de 2012, ano em que os últimos exames foram aplicados, está disponível abaixo:
PISA 2012 Results in Focus (em inglês)
Ao contrário do que fora prometido na campanha de 2014, cujo lema era “Pátria Educadora”, os cortes em Educação já foram anunciados, o que prejudicará ainda mais o desenvolvimento da área, às vezes chamada de motoro do progresso.
Já no que diz respeito à Saúde, a coisa fica ainda pior, aliás, bem pior. O valor destinado a esta área é de pouco mais de R$ 80 bilhões. Como investir na área e ainda atender a demanda de serviços de saúde de uma população de mais de 200 milhões de pessoas?
São muitos fatores envolvidos na avaliação da qualidade dos serviços de saúde: falta de médicos e profissionais, má administração dos recursos, muita burocracia e a lista não acaba. Baseado no último relatório do TCU, a Globo produziu uma reportagem que reflete bem o cenário. Não é por menos que médicos entram em desespero aqui e acolá e.
Constatações como visto abaixo, fazem parte do relatório:
O número de médicos por mil habitantes nas capitais do País é, em média, de 4,56, enquanto no interior, esse indicador cai para 1,11. Há variações significativas entre os estados brasileiros: no Maranhão, estado com menor número relativo, há 0,71 médico por mil habitantes; já no Distrito Federal, o número sobe para 4,09, um índice comparável ao da Noruega.
Mas este investimento realmente é pequeno? Veja o que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma em relação ao Brasil, transcrito de uma reportagem do online Último Segundo:
Embora suplementar ao sistema público de saúde, os planos médicos no Brasil investem mais no setor do que o governo federal no SUS (Sistema Único de Saúde). Este é o único caso no mundo. O relatório da organização chegou à conclusão de que, exceto pelo Brasil, em nenhum lugar em que a saúde pública é universal o sistema privado investe mais.
O trecho abaixo ainda é mais preocupante:
De acordo com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), as operadoras desembolsaram R$ 90,5 bilhões em 2013 com pagamento de internações, consultas e exames de laboratórios para atender um total de 50 milhões de clientes. Este ano, o SUS recebeu da União R$ 91,6 bilhões para chegar a 200 milhões de pacientes.
Percebe-se que, efetivamente, o SUS deve atender a uma demanda de, pelo menos, 150 milhões de pessoas. Assim, vale a pena visualizar como os gastos com a Saúde são subdivididos:
Apesar de não conter valores, dá para se ter uma noção de proporção investida por programa. Caso queira verificar as ações, os gastos e até as empresas favorecidas em cada um deles, os detalhes estão disponíveis no Portal da Transparência, site mantido pelo próprio governo. Abaixo os detalhes do programa “Saneamento Básico”, por exemplo:
Gastos diretos com o programa “Saneamento Básico”
Note que além da Saúde, este programa também recebe recursos das áreas de Saneamento e Gestão Ambiental. Mais detalhes também são encontrados no próprio SIGA.
Dívida Pública
Agora que você sabe que a maior parte do dinheiro do país é destinada ao pagamento da dívida pública, você deve estar se perguntando: mas que dívida é essa? Quem são os credores? Para entender melhor todos os porquês da dívida, sugiro a leitura dos seguintes artigos do projeto Auditoria Cidadã, cuja linguagem é simples e de fácil compreensão:
- Perguntas mais frequentes sobre a dívida (FAQ)
- Verdades e mentiras sobre a dívida
- Distorção dos termos: Dívida interna, externa, líquida
Algumas hipóteses só podem se realmente verificadas por meio de análises mais detalhadas, o que é uma tarefa bem desafiadora, até mesmo para os economistas e especialistas no assunto.
Ainda assim, apenas com o intuito de expor os dados relativos a dívida de uma forma visualmente diferente, abordarei este assunto em breve aqui no blog[2], o que além de disseminar a informação, pode estimular ideias e feedback para futuros posts.
[1] Este texto é uma colaboração de Alexandre Teixeira e foi originalmente publicado no blog: <https://foren6.wordpress.com/2015/02/11/visualizando-orcamento-brasil/>.
[2] O blog já mencionado na nota acima.
(Ciber)democracia → Democracia Participativa → Visualizando o Orçamento do Brasil