A responsabilidade civil do estado por maus tratos contra detentos

Notícia interessante divulgada hoje, 22/09/2017, no canal do G1 apresentava o seguinte título: “Presos do Piauí passam mais de 24h sem comer, são agredidos e obrigados a ficar nus;

Inclusive, remeto os leitores à reportagem in locu, para evitar repetições desnecessárias. Ademais, a reportagem conta com imagens de vídeo que valem mais do que qualquer palavra escrita.

Apenas para ilustrar: os presidiários, os quais não tiveram os nomes divulgados, são obrigados a tirar a roupa, fazer flexões, correr pelos corredores; bem como são agredidos e mantidos sem qualquer tipo de alimentação.

Este texto tem como objetivo, com base no que foi destacado acima, destacar como se caracteriza a responsabilidade civil do estado, bem como destrinchar a normativa legal pertinente e o entendimento jurisprudencial prevalecente.

Qual o tipo de responsabilidade civil aplicável nos casos de omissão estatal?

A questão traz intensa divergência:

Na doutrina, ainda hoje, a posição majoritária é a de que a responsabilidade civil do Estado em caso de atos omissivos é SUBJETIVA, baseada na teoria da culpa administrativa (ou culpa anônima).

Assim, em caso de danos causados por omissão, o particular, para ser indenizado, deveria provar:

a) a omissão estatal;

b) o dano;

c) o nexo causal;

d) a culpa administrativa (o serviço público não funcionou, funcionou de forma tardia ou ineficiente).

Esta é a posição que você encontra na maioria dos Manuais de Direito Administrativo.

O STJ ainda possui entendimento majoritário no sentido de que a responsabilidade seria subjetiva. Vide: STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1345620/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 24/11/2015.

Na jurisprudência do STF, contudo, tem ganhado força nos últimos anos o entendimento de que a responsabilidade civil nestes casos também é OBJETIVA. Isso porque o art. 37, § 6º da CF/88 determina a responsabilidade objetiva do Estado sem fazer distinção se a conduta é comissiva (ação) ou omissiva.

Não cabe ao intérprete estabelecer distinções onde o texto constitucional não o fez. Se a CF/88 previu a responsabilidade objetiva do Estado, não pode o intérprete dizer que essa regra não vale para os casos de omissão.

Dessa forma, a responsabilidade objetiva do Estado engloba tanto os atos comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público.

(…) A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. (…) STF. 2ª Turma. ARE 897890 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2015.

Forçoso fazer uma advertência: para o STF, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões. No entanto, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público tinha o dever legal especifico de agir para impedir o evento danoso e mesmo assim não cumpriu essa obrigação legal.

Assim, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que ele tivesse obrigação legal específica de agir para impedir que o resultado danoso ocorresse. A isso se chama de “OMISSÃO ESPECÍFICA” do Estado:

Dessa forma, para que haja responsabilidade civil no caso de omissão, deverá haver uma omissão específica do Poder Público (STF. Plenário. RE 677139 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2015).

Se um detento é morto ou sofre maus tratos dentro de unidade prisional, há responsabilidade estatal?

Sim, sem dúvida. É direito fundamental do detento previsto no art. da CF/88, senão vejamos:

Art. 5º (…) XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Logo, o Poder Público poderá ser condenado a indenizar pelos danos que o preso venha a sofrer. Esta responsabilidade, como se deve notar, é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa.

Assim, qualquer violação a integridade física ou moral (maus tratos, humilhações etc) gera responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pela Carta Magna.

Vale ressaltar, no entanto, que a responsabilidade civil neste caso, apesar de ser objetiva, é regrada pela teoria do risco administrativo. Desse modo, o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ficar demonstrado que ele não tinha a efetiva possibilidade de evitar a ocorrência do dano. Nas exatas palavras do Min. Luiz Fux:

“(…) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco integral, não acolhida pelo texto constitucional (…)”.

Em suma:

• Em regra: o Estado é objetivamente responsável pela morte de detento. Isso porque houve inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. , inciso XLIX, da CF/88;

• Exceção: o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ele conseguir provar que a morte do detento não podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal.

O STF fixou este entendimento por meio da seguinte TESE:

Em caso de inobservância de seu DEVER ESPECÍFICO de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento. STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral) (Info 819).

Conclusão

Constata-se, portanto, que o caso exemplificado no início do texto acarretará, sem sobrosso de dúvida, a responsabilização do Estado do Piauí.

Importante destacar que a Constituição também garantiu ação de regresso contra os agentes causadores do dano. De fato, no final, quem será responsabilizado são os agentes penitenciários que agiram fora de suas atribuições e contrários ao seus deveres constitucionais.

Ficou interessado pelo assunto? Pois conheça também sobre a responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais: https://direitodiario.com.br/responsabilidade-estado-atos-jurisdicionais/

Por: Victor Zanocchi

via Jusbrasil

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