Micropolíticas: Diálogo, Pensamento, Ação

        Micropolíticas é um neologismo criado no contexto do deslocamento do foco da teoria do Contrato Social para o das análises das formas de participação de variados segmentos da população em atividades de manifestação pública, conselhos populares, organizações não governamentais, sindicatos, associações da sociedade civil, igrejas, clubes e outros espaços nos quais um conjunto diversificado de questões relativas aos direitos políticos, direitos sociais, direitos econômicos, culturais e difusos foram objetos de reflexões, debates, conferências, avaliações que resultaram em proposições legislativas, denúncias, propostas de políticas públicas, criação de espaços de lazer, áreas de preservação, demarcação de terras indígenas, quilombolas e proteção e defesa dos direitos humanos.

        O termo se refere às dimensões das relações de poder cuja evidência não aparece quando se estuda a organização social, política e jurídica do Estado a partir da análise tradicional da filosofia política ou da teoria do direito constitucional. Nessas perspectivas, o poder aparece como um apanágio de determinados sujeitos detentores de certas prerrogativas, como a soberania, o poder de legislar, o de julgar e o de executar as leis ou, ainda, como algo que se possui, como o poder econômico, o poder dos meios de produção, o poder ideológico ou o poder dos meios de comunicação. Em contrapartida, quando estudamos os movimentos sociais, sobretudo aqueles em que atuam mulheres, crianças, jovens, LGBTQIA+, indígenas, negros, quilombolas, populações tradicionais, moradores de rua, enfim, pessoas anônimas, residentes das periferias, encarceradas, doentes, podemos observar que as leis, os meios de produção, os meios de comunicação, as instituições políticas, as autoridades retiram suas capacidades de determinar a sua vontade hegemônica sobre o conjunto da sociedade das redes nas quais ocupam posições estratégicas que, muitas vezes, são abaladas.

        Quando isso ocorre, compreendemos que as estruturas sobre as quais o Estado e suas instituições se erguem são sustentadas por numerosas redes de relações de poder e que, nessas relações, atua uma multidão anônima, distribuída por todos os espaços da sociedade. Muitas vezes, quem participa dessa multidão não detém o conhecimento de que atua nessa rede e, por isso, exerce uma parcela de poder na determinação das desigualdades sociais, na falta de acesso aos direitos fundamentais e na pouca diversidade nas instâncias de decisão de suas comunidades e do país. Mas, às vezes, também acontece o contrário, quando uma parcela dessa multidão resolve agir de maneira organizada e propõe para si mesma uma meta que deseja alcançar mediante uma ação política. Nem sempre, essas decisões aparecem na mídia e nem sempre ganham notoriedade nos meios de comunicação, pois, na maiorias das vezes, se trata de objetivos modestos, locais, visando questões comunitárias, paroquiais que não chamam a atenção da opinião pública.

        De todo modo, o que aí nos interessa é explorar linhas de fuga, como a tese foucaultiana de que o poder só existe como relação entre pessoas e de que o bem e o mal só existem em sociedade, a análise elisiana das redes de interdependência, o Existencialismo, a Hermenêutica, a Teoria Critica e o pensamento de Hanna Arendt. Nessas incursões, a política e a ética são dimensões indissociáveis da experiência social e dos processos de formação da subjetividade. Tais são os eixos de aproximação em torno dos quais os trabalhos que compõem esta coletânea foram reunidos. A despeito de suas diferenças temáticas, de perspectivas e de finalidades, eles foram desenvolvidos como exercícios de interdisciplinaridade na linha de pesquisa Processos Sociais, Ambientais e Relações de Poder, do Programa de Pós-Graduação em Sociedade em Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas.

Nelson Matos de Noronha (org.)

 

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