Júri Popular

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em dez. 2018

            Júri Popular é um conjunto de cidadãos escolhidos por sorteio, que servem como juízes no julgamento de um crime e constitui um dos instrumentos que existem no direito penal brasileiro para levar certos crimes de interesse social à avaliação da própria sociedade. “Pode-se dizer que no Tribunal do Júri é o povo julgando o próprio povo” (OLIVERIA, 2015, p. 12): “[...] trata-se de um órgão especial do Poder Judiciário, que assegura a participação direta nas suas decisões de caráter jurisdicional. Cuida-se de uma instituição de apelo cívico, demonstrativa da importância da cidadania e da democracia na vida em sociedade” (NUCCI, 2015, p.  apud OLIVERIA, 2015, p. 13).

            A função do júri popular é determinar: 1) se o crime em questão aconteceu; 2) se o réu em questão é responsável pelo crime (caso tenha acontecido); 3) em caso afirmativo para as duas primeiras, o júri deve decidir se o réu participante do crime deve ou não deve ser absolvido (veredito). O júri popular condena ou absolve, através do veredito. A sentença não é de responsabilidade do júri popular, mas do juiz do caso.

            O júri popular é previsto para os crimes intencionais de homicídio, infanticídio, aborto ou participação em suicídio, ou seja, são os crimes dolosos contra a vida, sejam eles tentados ou consumados. O júri popular não é utilizado para tratar de crimes dolosos que não atentam contra a vida e nem os crimes não intencionais, causados por imperícia, negligência ou imprudência.

 

Breve Histórico

            Historicamente existem vários registros do que poderia ser considerado como um Tribunal do Júri: desde a Carta Magna da Inglaterra, no ano de 1215, até registros mais antigos da existência de tribunais populares na Palestina e em Roma em período anterior a este.

            No ordenamento jurídico brasileiro o júri popular passou a constar desde a Constituição de 1824 (art. 151 e 152 que trata do Poder Judicial) mas a ideia do júri popular no Brasil surge em 18 de junho de 1822, através de um decreto imperial, com a competência restrita aos delitos de Imprensa e de cuja sentença caberia apelação ao príncipe. Abolida com a vigente Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), o “Júri de Imprensa foi previsto na Lei de 18 de junho de 1822, a primeira lei do júri no Brasil” (VAINSENCHER; FARIAS, 1997, p. 18).

            Com a primeira constituição outorgada no Brasil em 1824, a ideia do júri popular “passou a integrar o poder judiciário como um de seus órgãos, ampliando assim a sua competência, passando a julgar também causas cíveis e criminais” (LOURENÇO; SCARAVELLI, 2018, p. 3). A primeira sessão do tribunal do júri ocorreu no ano de 1825, em 25 de junho, no Rio de Janeiro, tendo como vítima o Intendente Geral da Polícia Francisco de Aragão, que acusou o Diário Fluminense de injúria por causa de uma publicação envolvendo seu nome.

            Em 1832 o Código de Processo Criminal ampliou a competência do tribunal do júri para julgar os crimes que não fossem restritos à competência do Senado, do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações, dos Juízos Militares e Eclesiásticos e dos juízes de paz. Essa competência foi objeto de restrições pela Lei 261, de 3 dezembro de 1841, e o Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842.

            Com o passar dos anos a ideia do tribunal do júri sofreu várias mudanças, inclusive deixando de ser expressa na Constituição de 1937, até que a Constituinte de 1946 estabeleceu as seguintes características (no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais, art. 41) que predominam até hoje: número ímpar de seus membros, o sigilo da votação, a plenitude da defesa do réu, a soberania dos veredictos, e a exclusividade quanto à competência para julgar crimes dolosos contra a vida.

            Pelo princípio do sigilo nas votações, realizada de forma secreta, o jurado deve decidir por sua própria opinião. Além disso o princípio visa garantir a segurança dos jurados e apenas nos casos em que a decisão se dá por unanimidade dos votos é possível saber como votaram os jurados.

            No que diz respeito ao princípio da plenitude da defesa temos a garantia constitucional que protege o réu, ao qual se assegura algo que está além do direito de ampla defesa: “o que significa dizer que, a defesa no Tribunal do Júri deve ser mais efetiva, sob pena de nulidade do ato caso o julgador entenda que o Réu não foi devidamente, em outras palavras, amplamente defendido” (LOURENÇO; SCARAVELLI, 2018, p. 4).

 

A plenitude de defesa implica no exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que a defesa ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal, etc. Esta defesa deve ser fiscalizada pelo juiz presidente, o qual poderá até dissolver o conselho de sentença e declarar o réu indefeso (art. 497, V), quando entender ineficiente a atuação do defensor (CAPEZ, 2009, p. 637).

 

            O princípio da soberania dos veredictos assegura a soberania do júri popular e determina que a decisão do tribunal do júri não pode ser substituída por outra, embora esse princípio não exclua a possibilidade de recorrer da decisão. Embora soberana, a decisão é passível de recurso, sobretudo quando a decisão possa parecer contrária à prova dos autos.

 

O veredicto, ou seja, o resultado da votação dos jurados, não pode ser alterado pelo Tribunal, podendo, quando muito, se a decisão deles tiver sido manifestamente contrária a prova dos autos, ser desconstituído, para que outro Conselho de Sentença jugue a causa. Nunca deixou de existir, portanto, a possibilidade de as decisões do júri serem invalidadas em sede de recurso de apelação (art. 593, III, c do CPP), bem como de se desconstituir a sentença condenatória transitada em julgado proferida pelo Tribunal do Júri através de revisão criminal (art. 621 a 631 do CPP). Esse é o entendimento pacifico da doutrina e da jurisprudência, afinal nenhum órgão do judiciário e primeira instância pode ser isento de controle via recursal a respeito do acerto ou não de suas manifestações de mérito, sobretudo em se tratando de causas criminais que lidam com o direito à liberdade (do acusado) e o direito à vida em tese ofendido pela sua conduta (CAMPOS, 2011, p. 2 apud OLIVEIRA, 2015, p. 11).

 

            O último princípio, o da competência mínima para julgamentos dos crimes dolosos contra a vida, estabelece que o júri popular deve ser instaurado para julgar tais crimes, que constam no capitulo I, da parte especial do Código Penal, que são: a) Homicídio simples (artigo 121, caput); b) Privilegiado (artigo 121,§ 1º); c) Qualificado (artigo 121, § 2º); d) Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (artigo 122); e) Infaticídio (artigo 123); f) Várias formas de aborto (artigos 124, 125, 126 e 127).

            A Constituição de 1967 (com a emenda constitucional nº. 01 de 17 de outubro de 1969, art. 53, § 18) e a Constituição de 1988 mantiveram a instituição com as características que foram estabelecidas na Constituição de 1946. Na carta magna de 1988 o júri está disciplinado no art. 5º, XXXVIII onde constam os princípios estabelecidos desde 1946. Como consta no art. 5ª da Constituição de 1988, que se refere aos direitos fundamentais, a instituição do júri é considerada uma cláusula pétrea e não pode, portanto, ser abolido do ordenamento jurídico brasileiro: “como direito e garantia individual, não pode ser suprimido nem por emenda constitucional, constituindo verdadeira cláusula pétrea. Tudo por força da limitação material explicita contida no artigo 60 § 4º, IV, da Constituição Federal” (CAPEZ, 2009, p. 665).

 

Processo de Escolha

            O júri popular no Brasil é formado por sete pessoas (artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal brasileiro) que precisam decidir o veredito do caso e são escolhidos a partir da apresentação de voluntários ou por pessoas indicadas por associações, empresas e instituições de ensino ao Tribunal do Júri. É preciso ser maior de idade, ter ficha limpa, ser eleitor e concordar em prestar esse serviço de forma voluntária.

            Cada vara criminal possui uma lista de pessoas da sociedade civil que podem fazer parte do sorteio de participação do júri popular. A partir de uma lista de 25 pessoas, são definidas, através de sorteio, as sete que irão participar do júri popular.

 

Casos de grande repercussão

Rio de Janeiro

            Em 1992, a atriz Daniela Perez, protagonista da novela escrita por sua mãe, Glória Perez, foi assassinada com 18 golpes de tesoura. Foram acusados um ator e colega de trabalho e sua mulher (FREITAS, 2016).

            Em 2010, o goleiro do Clube de Regatas Flamengo, Bruno Fernandes, foi acusado do homicídio de Elisa Samúdio, e condenado a 22 anos e 3 meses de prisão. O julgamento foi transmitido pelos meios de comunicação: “a repercussão foi tanta que o advogado de defesa no debate oral disse que a imprensa estava manobrando para condenar seu cliente” (LOURENÇO; SCARAVELLI , 2018, p. 11).

 

Referências Bibliográficas

CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri. São Paulo: Atlas, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FREITAS, Paulo Cesar. Criminologia Midiática e Tribunal Do Juri. Ed. Lumen Juris 2016.

LOURENÇO, Denise Campos; SCARAVELLI, Gabriela Piva. A influência da mídia no tribunal do júri. Anais do 6º Simpósio de Sustentabilidade e Contemporaneidade nas Ciências Sociais, 26 a 28 de junho de 2018.

NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6 ed. São Paulo: Forense, 2015.

OLIVEIRA, Renata Petry. Visão crítica acerca do tribunal do júri: a problemática dos jurados e a possibilidade de renúncia ao julgamento pelo conselho de sentença. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS, 2015.

VAINSENCHER, Semira Adler; FARIAS, Angela Simões de. Júri Popular: algumas possibilidades de condenação ou absolvição. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 34, n. 133, p. 17-22, jan./mar., 1997. Acesso em 27/11/2018.

 

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