Interpretação política de A Alegoria da Caverna

texto publicado com a colaboração de

Patrícia de Paula B. Moraes

acadêmicas de Serviço Social da UFAM

postado em abr. 2016

 

            Propomos aqui uma análise de A Alegoria da Caverna (para conhecer em detalhes esta história acesse o link: O Mito da Caverna) levando em consideração a teoria do “rei-filósofo” de Platão. Se nós considerarmos que para Platão o mais apto a governar a cidade são aqueles que adquiriram o sentido de justiça, verdade e bondade (PLATÃO, 1980 e 1993), este indivíduo se identifica com o prisioneiro que após se libertar da caverna, contempla uma nova realidade e volta para a caverna não apenas para ajudar a libertar os seus amigos que permanecem presos nas ilusões do mundo sensível, mas ele se torna o mais apto a governar a cidade, já que como sábio, é ele quem deve promover a justiça e a harmonia da sociedade. Politicamente ele se torna o representante da sociedade cuja função é a de promover o bem maior.

A educação em A República é pensada em função da formação do cidadão, a partir de uma perspectiva política. A saída da caverna e a ascensão à ciência do bem têm a finalidade de preparar o filósofo para o seu retorno à caverna, ou seja, torná-lo apto para governar a cidade ideal (LAZARINI, 2007, p. 67).

            Segundo Platão a solução para os problemas da sociedade é o conhecimento filosófico, onde este, por sua vez, deve condizer com a realidade. Porém, essa realidade é vista de duas formas. A primeira segundo Parmênides ao retratar os conceitos como universais, necessários, imutáveis e eternos, já o segundo conforme Heráclito, quando diz que o mundo é contingente e transitório. Ao tentar superar o impasse entre estas duas formas de pensamento, Platão postula que para além do mundo sensível (onde tem razão o filósofo Heráclito), deve existir uma realidade além das percebidas pelos sentidos, as quais são chamadas por Ideias (onde tem razão o filósofo Parmênides). É nesse contexto que surge a teoria que rodeia toda a filosofia de Platão: a Teoria das Ideias ou também chamada de Teoria das Formas e o governo ideal é aquele cujos governantes possuem o conhecimento desta realidade supra-sensível.

            Na teoria de Platão é necessário saber distinguir a essência da ilusão: o mundo sensível, isto é, tudo aquilo perceptível aos olhos da sociedade, todo conhecimento adquirido no dia a dia, o chamado senso comum; e o Inteligível, o mundo que para chegar até ele é necessário o conhecimento filosófico, é preciso sair da sua zona de conforto e visualizar a verdadeira realidade, imutável e eterna. Para atingir esse mundo, o ser deve se libertar das ilusões do sentido e elevar sua alma ao conhecimento, porque, conforme Platão, o corpo é um obstáculo a livre manifestação da alma. O corpo prende-se a realidade primária, impedindo o avanço da razão e do intelecto; e a alma, é vista como prisioneira do corpo e um turista no mundo em que nasce, que deve se libertar e alcançar o conhecimento verdadeiro, chegando ao clímax do pensamento platônico, ao tão almejado mundo do Inteligível. Com efeito, a filosofia platônica é uma filosofia comprometida com o conhecimento da verdade (RIBEIRO, 2005)

            A Alegoria da Caverna simboliza os dois mundos existentes da filosofia de Platão imaginando que no interior de uma caverna seja o mundo sensível onde contém escravos acorrentados que simbolizam os homens ligados completamente ao corpo e as correntes são as ignorâncias nascidas com indivíduo.

[...] a caverna é a representação da vida humana vivida numa sociedade política, em sua mais obscura manifestação atual e empírica (no caso, a Atenas do séc. V a.C., paradigmática também para nós), bem como da única possibilidade humana de transcendê-la rumo à liberdade pessoal e política da cidade ideal, a ensolarada “politéia” platônica (QUEIRÓS, 2008, p. 96).

            A partir do momento que um dos prisioneiros se liberta da caverna ele abre sua mente para o conhecimento e passa a transitar para outro nível, o chamado Mundo Inteligível, o imutável. No primeiro instante, ele não consegue enxergar as coisas nitidamente e quando passa a ver a realidade do novo mundo depara-se com o Sol. Este é a entidade principal transmissora do Bem, do conhecimento. A missão não é apenas atingir o Inteligível, o filósofo deve retornar a caverna para libertar seus irmãos do mundo sensível.

            Este momento tem uma conotação claramente política.

Com a alegoria da caverna Sócrates indica para Glauco como é que o filósofo deverá conduzir o seu entendimento e como usar a sabedoria para que os homens possam governar a cidade. A polis é o lugar da interação, lugar do povo, e no livro a República Platão faz descrição do projeto de uma cidade ideal [...] Uma boa cidade administrada é um lugar de bem-estar, um lugar da cidadania, meio social de muitos relacionamentos (MATOS, 2011, p. 71).

            É um movimento que vai da filosofia à ação política. Primeiro o filósofo eleva sua alma (sai da caverna) à contemplação do bem. Em seguida há o retorno à caverna onde o filósofo deve “saber como proceder em meio aos cidadãos. Eis os dois rumos necessários à vida humana, segundo Platão, ou, pelo menos, àquela parcela dos humanos que terá o privilégio de atingir o grau mais elevado da educação – o conhecimento do bem” (LAZARINI, 2007, p. 46).

            Na filosofia de Platão aprendemos que a república ideal é o governo dos sábios (rei-filósofo) e da razão conforme a verdade, devido a superioridade do conhecimento alcançado pelos filósofos: “[...] o projeto político de Platão repousa em dois elementos fundamentais: 1º O filósofo-rei à frente do poder; e, 2° A cidade justa, onde o filósofo-rei estabeleceria seu governo” (MENESCAL, 2009, p. 15). Contudo só após a ascensão dialética o exercício do poder deve ser exercido pelos filósofos que puseram-se na contemplação da essência das coisas. Mas que não devem permanecer em tal contemplação, devem retornar a caverna (dialética descendente) e exercer o poder mas não em nome de interesses pessoais e sim em nome da razão e da sabedoria que neles predomina e que deve também prevalecer na cidade (para um melhor entendimento sobre a dialética veja mais a respeito no link: A Teoria das Ideias).

            Em relação à política, Platão registra em seu livro A República a sociedade ideal em seus pensamentos. Segundo ele, a essência do homem é necessitar do auxílio material e moral de outras pessoas, logo, para essa necessidade deve-se dividir o trabalho e, por conseguinte, nascem as classes distintas que organizam a sociedade socialmente. As classes distintas seriam divididas em três: A dos rei-filósofos, dos guerreiros e dos produtores (ou camponeses) e artesãos. A primeira governa a sociedade, pois só assim os males da polis acabariam, é ele o conhecedor de todas as realidades, sabe qual a melhor escolha a tomar para tornar o mundo ideal. Platão almejava a cidade justa e para isso acontecer era necessário ter no poder alguém com conhecimentos, surgindo então a ideia do rei-filósofo ou do filósofo-rei, o qual este sim saberia distinguir o bem do mal, o justo do injusto e como já relatado seria o homem apropriado para governar a cidade com justiça.

            A segunda classe é responsável por defender o estado tanto interno quanto externamente, mas é claro, conforme as regras criadas pelos governantes, no caso, os filósofos. A última classe vem a ser a dos produtores ou camponeses, bem como os artesãos, que são aqueles cuidadores da conservação da economia do estado assim como também das classes superiores a eles. “Para Platão três classes desempenham um papel na polis: a classe dos camponeses e artesãos. Eles asseguravam a vida material da polis. Os guardiões a defesa; e os filósofos asseguravam sua direção. Havia aí uma coesão e uma harmonia na polis” (MATOS, 2011, p. 71 – Ver também: BRISSON; PRADEAU, 2010).

            Os filósofos, àqueles que devem assumir o governo, buscam a “salvação” dos prisioneiros acorrentados, ao passo que aqueles cujos interesses são estritamente pessoais se servem do Estado como controladores políticos e manutenção do poder. Para estes é muito mais conveniente esses indivíduos estarem acorrentados e presos, sem o conhecimento verdadeiro da realidade, pois se tem uma maior facilidade de dominação por parte desses governantes. Seriam os falsos políticos ou sofistas, na concepção de Platão e cujo tema aparece “[...] abordado exaustivamente por Platão, separada e detidamente, em outros diálogos anteriores (Górgias, Hípias Menor, Protágoras) e posteriores (Fedro, Sofista, Político etc.)” (QUEIRÓS, 2008, p. 97-98).

            Seria um exemplo claro de boa parte dos nossos políticos atuais que, na época da eleição onde partes dos eleitores são comprados por votos pelos candidatos por viverem na miséria intelectual do senso comum e não conseguem enxergar tal veracidade. Essas pessoas da realidade são aquelas dentro da caverna de Platão aprisionadas que compartilham de uma verdade aparente e ilusória, aquelas que veem as sombras dos objetos na parede e pensam ser algo concreto.

            Chegando, finalmente, fora da caverna onde a classe dos filósofos está, encontra-se a vida, cor, luz e calor. Porém essa modificação é dolorosa. Logo no inicio tudo é invisível aos olhos do indivíduo devido à mudança drástica do escuro do interior da caverna para a grande luz exterior da mesma. Trazendo para a realidade, nota-se a tarefa árdua da pessoa em busca do conhecimento filosófico/científico. Como por exemplo, novamente, dos eleitores aos quais estes sofrem quando buscam informações e passam a enxergar com outros olhos os candidatos e sua real intenção com os auxílios prometidos em seus discursos de candidatura. O choque é grande, porém o suficiente para numa próxima vez não ocorrer tal erro. Tendo desvendado esse grande mar de ilusões, o ser pensa conforme Platão no que diz respeito ao modelo ideal de sociedade e age, consequentemente, para a realização de tal pensamento. Pensamento esse ao qual foi destacado anteriormente sobre o alcance do mundo Inteligível, do mundo da justiça, do conhecimento verdadeiro.

            E é o filósofo-rei ou rei-filósofo quem deve dirigir a vida política e a cidade, pois ele tem o ideal de fazer o bem para todos os cidadãos. Somente um homem justo pode ajudar a promover uma cidade justa e incutir nos cidadãos o ideal de justiça. O filósofo é movido por um ideal e pelo dever político de lutar pelo bem comum de todos, de defender os interesses da sociedade em geral, de promover a harmonia e a justiça.

            Por fim, vale ressaltar como Platão, ele próprio, tenteou realizar esse movimento dialético (ascendente e descendente) de saída e retorno à caverna com fins políticos. O filósofo teve pelo menos três experiências, todas malogradas é verdade, na cidade de Siracusa (PLATÃO, 1980), de tentar implementar o seu ideário político filosófico. Mas não obteve sucesso em nenhuma delas, chegou inclusive a ser vendido como escravo, e desiludido com sua experiência no campo prático da política resolveu dedicar o final de sua vida ao ensino da filosofia, na escola fundada por ele mesmo em Atenas: a Academia de Platão.

 

Referências Bibliográficas

BRISSON, Luc; PRADEAU, Jean-François. Vocabulário de Platão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

LAZARINI, Ana Lúcia. Platão e a educação: um estudo do Livro VII de A República. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP, 2007. Acessado em 24/03/2016.

MATOS, Lucas Pereira. A Alegoria da Caverna e seu mito hoje. Revista Pandora Brasil, n. 34, p. 68-78, set. 2011. Acessado em 07/03/2016.

MENESCAL, Ana Alice M. A idéia de justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Departamento de Filosofia. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2009.

PLATÃO. A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

____. Cartas. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade do Pará, 1980. Vol V

QUEIRÓS, Antônio José V. de. Os bastidores da caverna de Platão (entrelinhas de uma alegoria). O que nos faz pensar, n. 24, p. 95-115, out. 2008. Acessado em 08/03/2016.

RIBEIRO, Djalma. Conhecimento, amor e educação em Platão. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005. Acessado em 24/03/2016.

 

Sugestões de Webgrafia

SANTIAGO, Emerson. A República (Platão). Disponível em: <https://www.infoescola.com/literatura/a-republica-platao/>. Acesso: 16/02/2016.

Platão – A República, 2012. Disponível em: <https://www.filosofiaparatodos.com.br/resumos/platao-a-republica/>. Acesso: 16/02/2016.

Breve Análise do Mito da Caverna, 2013. Disponível em: <https://www.argumentofilosofico.com/news/breve-analise-do-mito-da-caverna/>. Acesso:16/02/2016.

Platão – O Filósofo-Rei: Sua Vida e suas Obras Filosóficas. Disponível em: <https://www.10emtudo.com.br/aula/ensino/platao_o_filosofo_rei/>. Acesso: 03/03/2016.

GUIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Platão e o Rei-Filósofo, 2008. Disponível em: <https://ghiraldelli.wordpress.com/2008/06/21/fran-foto/ >. Acesso: 03/03/2016.

 

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