Direitos Humanos e as Organizações
por Silviane Oliveira Ribeiro
acadêmica de Administração da UFAM
postado em mai. 2016
Os novos padrões do Capitalismo mundial e globalizado tem imposto à área empresarial uma série de discussões e debates no âmbito da responsabilidade empresarial no que diz respeito aos Direitos Humanos (CERNIC, 2008; MATHIS; MATHIS, 2012), tais como: direitos dos trabalhadores como a igualdade de oportunidade e tratamento não discriminatório, direito à segurança das pessoas (vide o caso mais recente da Samarco, e como o rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana-MG, afetou não apenas a vida dos moradores da região, mas toda a vida ambiental num percurso de milhares de kilômetros), obrigações no que diz respeito à proteção ambiental (considerando que o direito a uma vida ecologicamente equilibrada é um direito humano), entre outros.
Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação. (Em: https://www.dudh.org.br/definicao/. Acesso em 03/04/2016).
No Regime Democrático em que vivemos, esses direitos são reconhecidos, com o intuito de garantir que as pessoas desenvolvam suas qualidades e satisfaçam seus desejos. Não surgiram de uma concessão da sociedade política, ao contrário, essa mesma tem que consagrá-los, para que todos, sem nenhuma distinção, usufruam deles.
[...] cabe ressaltar que as mudanças advindas do processo de reestruturação do capital, marcadas pela introdução das novas tecnologias, pelas novas exigências de mercado, pelas mudanças de hábito de consumo, pelas novas formas de contratação do trabalho e de gerenciamento da força de trabalho extrapolam a esfera da produção propriamente dita e se expandem para todas as relações sociais (MATHIS; MATHIS, 2012, p. 132).
A partir do processo de globalização ocorrido nos países centrais do Capitalismo no final do século XX, observa-se tanto uma reconfiguração e redefinição das funções do Estado, como a expansão de suas atividades através do intervencionismo e planejamento de políticas sociais quanto uma redefinição das relações capital-trabalho no âmbito empresarial e uma relação mais ampla entre o Estado, organizações sociais e as corporações. O que gera um esforço de “regulamentação internacional existente sobre a responsabilidade social corporativa e a garantia e preservação dos direitos humanos no interior das transnacionais e no de outras empresas privadas” (MATHIS; MATHIS, 2012, p. 133).
Feeney destaca que o tema dos direitos humanos no âmbito empresarial
[...] passou a integrar a agenda internacional por diversos motivos: (i) a atenção cada vez mais dispensada às obrigações em direitos humanos de atores não-estatais; (ii) o reconhecimento crescente de direitos econômicos e sociais; e (iii) campanhas fora do âmbito das Nações Unidas contra o potencial destrutivo de projetos de desenvolvimento de grandes proporções, o que impulsionou novas formas de responsabilização de instituições financeiras por danos ambientais e sociais (2009, p 175).
Disponível em: CV Telecom Portal Institucional (Acessado em 30/04/2016)
Dentro das organizações, a ONU (Organização das Nações Unidas) apresentou o relatório dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, elaborado em 2005 pelo Professor John Ruggie – Representante Especial do Secretário-Geral (RESG) das Nações Unidas, o qual afirma que as mesmas precisam respeitar os direitos dos indivíduos, estando eles em um Regime Democrático ou com democracia precária. Pois mesmo fazendo parte de uma economia globalizada, e ainda que não se sujeitem a leis internacionais, é dever delas mitigar os impactos negativos aos direitos humanos.
Os Princípios Orientadores definidos por Ruggie decorrem de três pilares normativos: primeiro, o reconhecimento das obrigações primordiais dos Estados no respeito, proteção e implementação dos direitos humanos e liberdades fundamentais (proteção); segundo, a importância do papel das empresas como órgãos especializados da sociedade que desempenham funções especializadas e que devem cumprir todas as leis aplicáveis e respeitar esses direitos básicos (respeito); e finalmente, a necessidade de que existam recursos adequados e eficazes, em caso de descumprimento destes direitos por parte das empresas. (Em: https://www.isebvmf.com.br/index.php?r=site/conteudo&id=57. Acessado dia 02/04/2016).
O RESG foi responsável em 2008 pela publicação de um novo relatório, intitulado “Proteger, Respeitar e Remediar: Um Marco sobre Empresas e Direitos Humanos”, baseado em três marcos conceituais:
(i) Estados possuem o dever de proteger contra violações de direitos humanos cometidas por terceiros, incluindo empresas, por meio de políticas, normas, bem como processos judiciais adequados; (ii) empresas possuem a responsabilidade de respeitar normas de direitos humanos, o que, segundo o RESG, implica, essencialmente, controlar os riscos de causar danos aos direitos humanos, buscando, em última instância, evitar tais danos; e (iii) vítimas de direitos humanos devem ter maior acesso a remédios efetivos, incluindo mecanismos não-judiciais de denúncia (NAÇÕES UNIDAS, 2008 apud FEENEY, 2009, p. 183).
Assim, as empresas, de acordo com tais princípios, têm como responsabilidade, proteger os Direitos Humanos, evitando que seus produtos ou serviços abusem desses direitos negativamente, ou contribuam para que outras organizações também assim o façam. Sendo que, hoje, muitas corporações são financeiramente e tecnologicamente maiores que alguns países, e que, interferem diretamente na Economia, política e até mesmo na vida social de muitos deles, é muito importante pensar em como essas organizações vão atuar na defesa desses direitos básicos, não esquecendo do Estado, que também cumpre um papel primordial com relação ao respeito e proteção dos direitos humanos.
Não importa o tamanho de uma empresa, nem o setor, estrutura, etc., todas sem nenhuma distinção, têm responsabilidade para com os Direitos Humanos. É claro que os procedimentos poderão variar de acordo com sua atuação, a gravidade das consequências, no entanto, o respeito aplica-se a todas plenamente.
Nos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, dentro dos princípios operacionais, as organizações precisam expor seu respeito para com os direitos humanos através de uma declaração política, que deve ser pública, e difundida dentro da empresa, para seus fornecedores, entidades que mantenham relação com a empresa, investidores e todos aqueles que podem ser afetados pelas operações da organização. Além disso, é necessário verificar se estão sendo tomadas ações para prevenir os impactos ou diminuí-los. Monitorar garante a empresa saber se suas políticas estão sendo aplicadas e se estão dando retorno, assim como, se constatar que está atingindo negativamente os direitos humanos, é preciso reparar essa situação. Criar mecanismos de denúncia, cooperar com as sanções judiciais caso tenha violado os direitos, são medidas eficazes nessa reparação.
Outras iniciativas são destacadas por Feeney (2009) como as várias tentativas da ONU ao longo de 40 anos, de elaborar parâmetro globais de responsabilidade empresarial no que diz respeito a violação dos direitos humanos, como o Projeto das Nações Unidas de Normas sobre Responsabilidades em Direitos Humanos das Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos Privados (ver também: NAÇÕES UNIDAS, 2003 e 2004). Tais normas
[...] enunciam quatro princípios gerais: que embora os Estados sejam os principais sujeitos de deveres, agentes empresariais também possuem obrigações perante o direito internacional dos direitos humanos; estas obrigações se aplicam de maneira universal e dizem respeito a um leque amplo de direitos; governos precisam tomar medidas para proteger os indivíduos contra abusos perpetrados por empresas; e, por fim, o caráter transnacional deste problema exige que haja monitoramento de práticas empresariais e mecanismos de controle das normas internacionais além do âmbito nacional, para assegurar que as empresas respeitem as Normas e outros instrumentos nacionais e internacionais pertinentes, quando realizarem atividades em outros países (FEENEY, 2009, p. 179-180).
Para as críticas que foram feitas ao referido projeto, veja o artigo de Feeney (2009) e o intenso debate que se seguiu a este projeto fez com que o mesmo não tivesse sido levado adiante. De qualquer modo,
[...] apesar das controvérsias acerca do conteúdo específico e do status jurídico das Normas, esta iniciativa serviu a um propósito importante, qual seja, aumentar o reconhecimento geral de que empresas possuem responsabilidades universais em direitos humanos, de que governos nacionais devem tomar medidas para proteger indivíduos de abusos cometidos por empresas, e, por fim, reconhecimento de que mecanismos extraterritoriais e globais de monitoramento e controle são necessários (FEENEY, 2009, p. 180-181).
E vale destacar também a criação da ISO 26000, publicada em 2010, que institui diretrizes internacionais em responsabilidade social empresarial, também chamada de RSC (responsabilidade social corporativa). Há uma extensa bibliografia sobre o tema da RSC, dentre as quais indicamos algumas: Carrieri e Bittencourt (2005), Cezar (2007), Conceição, et. al., (2011), Feeney (2009), Vasconcelos, Alves e Pesqueux (2012).
A ISO 26000 foi elaborada pelo ISO/TMB Working Group on Social Responsibility (ISO/TMB WG SR) por meio de um processo multi-partite que envolveu especialistas de mais de 90 países e 40 organizações internacionais ou com ampla atuação regional envolvidas em diferentes aspectos da responsabilidade social (ABNT, 2010, p. V).
A ISO 26000 também é um importante documento de combate à violação dos direitos humanos, com a finalidade de apoiar o desenvolvimento e implantação de políticas empresariais baseadas na sustentabilidade. Se os princípios de Ruggie foram conservadores, desejando a aprovação de todos, a ISO 26000 vai além do que é obrigatório legalmente.
A responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável é algo cobrado das empresas hoje pela sociedade, e o fato de que uma empresa é socialmente e ecologicamente responsável, e está ligada a ISO, ela adquire maior credibilidade, tornando a responsabilidade social uma vantagem competitiva e um diferencial no mercado, passando de uma obrigatoriedade para estratégia empresarial.
Nesse contexto é válido mencionar a existência do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
Tal organização não governamental foi criada com a missão de mobilizar, sensibilizar e auxiliar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável. Trata-se de um indicador que compreende vários temas, tais como: valores, transparências e governança, público interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores/ clientes, comunidade/governo e sociedade (MATHIS; MATHIS, 2012, p. 136).
Importa ressaltar ainda o papel da ONG britânica “Rights and Accountability in Development, sob a direção de Patrícia Feeney, que realiza estudos e pesquisas sobre RSC, direitos humanos e indústria de extração mineral” (MATHIS; MATHIS, 2012, p. 133). Feeney é pesquisadora associada à Universidade de Oxford, onde leciona em cursos de pós-graduação e co-fundadora da organização OECD Watch, uma rede criada com o propósito de monitorar a implementação das Diretrizes da OECD para Empreendimentos Multinacionais (FEENEY, 2009).
Antigamente os impactos contrários causados pelas organizações não eram uma ameaça à vida organizacional e no mercado das mesmas, hoje, esses aspectos são de extrema importância para que as corporações se mantenham dentro do mercado, e principalmente, se diferencie, criando valor a sua marca, ao seu produto ou serviço. Enfim, podemos ver o quanto os direitos humanos estão ligados às organizações, e estas precisam respeitá-los e criar mecanismos que auxiliem no progresso ao combate do abuso para com o ser humano. Se antes éramos vistos apenas como força de trabalho, explorados e diminuídos, hoje as corporações, graças à entidades como a ONU e muitas outras, somos o maior patrimônio que uma organização pode ter. O lucro ainda é sim o objetivo, mas já se sabe que o capital humano, é e sempre será o responsável pelas mesmas chegarem ao objetivo final, e que o ambiente não se regenera, precisando ser tão cuidado quanto o ser humano, para que mais tarde não soframos com as consequências. Daí a importância deste tema, e de denunciar toda exploração, abuso, degradação do Meio Ambiente.
O diferencial está em agregar indústria, ambiente e consumidores. Ao relacionar essas três esferas e se preocupar em criar valores atrelados ao comportamento ético, cidadania e solidariedade, é que a organização passa a não só inserir o conceito de responsabilidade social, mas o mais importante, colocá-lo em prática.
É óbvio que a responsabilidade social tem que partir do mais alto escalão empresarial, e atingir todas as áreas da organização. O administrador, por exemplo, deverá cumprir deveres como o que está em seu Código de Ética, que é capacitar-se para perceber que, acima do seu compromisso com o cliente, está o interesse social, cabendo-lhe, como agente de transformação, colocar a empresa nessa perspectiva.
Ser responsável socialmente vai além de cumprir seus deveres, suas obrigações legais, isso não passa de deveres contratuais. Responsabilidade social requer esforço, colaboração e participação de todos em prol da sociedade, do ambiente, do bem estar de seus colaboradores, da satisfação de seus clientes, considerando seus valores, e, independente de qual seja a situação, comportar-se eticamente frente às adversidades.
Portanto, criar valores como estes, é importante não só para a sociedade em si, mas também para a própria empresa. A partir de ações como estas, a organização torna-se um exemplo a ser seguido, e cria, sobretudo, uma Imagem Institucional bastante forte, valorizando sua marca e consequentemente, aumentando seu capital.
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Acessado em 30/04/2016
Referências Bibliográficas
ABNT. NBR ISO 26000:2010. Diretrizes sobre responsabilidade social. Rio de Janeiro: ABNT, 2010. Acessado em 30/04/2016.
CARRIERI, Alexandre; BITTENCOURT, Epaminondas. Responsabilidade social: ideologia, poder e discurso na lógica empresarial. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 45, Edição Especial, p. 10-22, set./dez., 2005. Acessado em 30/04/2016.
CERNIC, J. L. Corporate Responsibility for Human Rights: A Critical Analysis of the OECD Guidelines for Multinational Enterprises. Hanse Law Review, v. 3, n. 1, p. 71-100, 2008. Acessado em 30/04/2016.
CEZAR, M. D. J. Responsabilidade Social: uma expressão da hegemonia. In: FRANCISCO, E. M. V.; ALMEIDA, C. C. L. de (Org.). Trabalho, território, cultura. São Paulo: Cortez, 2007.
CONCEICAO, Sérgio Henrique da et al . Fatores determinantes no disclosure em Responsabilidade Social Corporativa (RSC): um estudo qualitativo e quantitativo com empresas listadas na Bovespa. Gestão e Produção, São Carlos, v. 18, n. 3, p. 461-472, 2011. Acessado em 30/04/2016.
FEENEY, P. A luta por responsabilidade das empresas no âmbito das Nações Unidas e o futuro da agenda de advocacy. SUR: Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 6, n. 11, p. 175-191, 2009. Acesso em: 10 abr. 2016.
MATHIS, Adriana de Azevedo; MATHIS, Armin. Responsabilidade Social Corporativa e Direitos Humanos: discursos e realidades. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 15, n. 1, p. 131-140, jan./jun. 2012. Acessado em: 29/04/2016.
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____. Comission on Human Rights. Responsibilities of transnational corporations and related business enterprises with regard to human rights. U.N. Doc. E/CN.4/DEC/2004/116. 2004. Acesso em: 15 abr. 2016.
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Bibliografia Consultada
GRAYSON, David. Compromisso social e Gestão empresarial. São Paulo: Publifolha, 2003.
OLIVEIRA, José Antônio Puppin de. Empresas na sociedade: sustentabilidade e responsabilidade social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
www.isebvmf.com.br/index.php?r=site/conteudo&id=57
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