Epistemologia e Ciências Sociais/Política
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2015
A ciência política é a teoria e prática da política, a descrição e análise dos sistemas políticos, das organizações, dos processos e do comportamento político etc. Se, por um lado, o estudo da ciência política contemporânea, em certo sentido, ainda é o mesmo daquele de Aristóteles, por outro lado é preciso levar em consideração toda a complexidade das organizações político-sociais contemporâneas e pressupor uma orientação metodológica e objetividade de pesquisa compatíveis com as exigências da ciência atual. Como toda pesquisa científica que busca a construção do conhecimento científico, a pesquisa em Ciência Política deve levar em consideração que toda “investigação ocorre por meio de uma relação entre o sujeito (cognoscível) e o fenômeno a ser investigado (cognoscente)” (FERRARI, 2008, p. 25), de onde decorre uma importância fundamental em se considerar os aspectos epistemológicos de toda e qualquer pesquisa científica. Por essa razão, este texto é dedicado ao estudo das relações entre a teoria do conhecimento e a política, a metodologia que nos permite aprofundar o nosso conhecimento no campo da política e, se assim se pode dizer, uma epistemologia da política.
Um estudo epistemológico significa um estudo crítico dos princípios, das hipóteses, dos resultados, da problemática da pesquisa das diversas ciências, incluindo aí as Ciências Sociais, discutir sobre a natureza e o valor da ciência pura e aplicada, de pressupostos e/ou problemas filosóficos que se apresentam no curso da investigação científica e possui elementos que, aplicados à pesquisa científica favorece a análise dessas produções e dá subsídios para o aprimoramento da pesquisa, além de propiciar os instrumentos necessários à reflexão e à crítica propriamente dita (BUNGE, 1980; FERRARI, 2008; SÁNCHEZ GAMBOA, 1998).
O termo “epistemologia”, do antigo grego significa episteme (conhecimento, ciência) + logos (discurso, teoria, tratado, estudo de), literalmente significa Teoria da ciência ou teoria do conhecimento científico. A epistemologia geralmente é entendida como um ramo da Filosofia das ciências, que “estuda a investigação científica e seu produto e conhecimento científico” (BUNGE, 1980, p. 05). “O termo ‘epistemologia’ ganhou a acepção de teoria do conhecimento científico, utilizado tanto para compreender as ciências, como para estudar seus principais problemas e implicações. Por isso tornou-se muito mais difundido e aceito na literatura científica” (FERRARI, 2008, p. 17 – grifo nosso).
São os escritos do início do século XIX tais como: o segundo volume da “Filosofia do espírito humano” (1814) de Dugald Stwart, o “Curso de Filosofia positiva” (a partir de 1826) de Auguste Comte e o “Discurso preliminar ao estudo de Filosofia natural” (1830) de John Herschel que podem ser considerados precursores da Epistemologia. Contudo são as obras de Bernardo Bolzano a “Wissenschaftslhehre” (1837), relativa às ciências formais lógicas e a “Philosophy of the indutive sciencies” (1840) de William Whewell que podem ser consideradas precursoras da Epistemologia. A expressão Wissenschaftslehre, título da obra de Bolzano, significa literalmente Teoria da Ciência e distingue do termo Erkenntenistheorie que significa Teoria do Conhecimento (FERRARI, 2008, p. 15).
De modo geral, este tema é tratado em relação às Ciências da Natureza e às Ciências Sociais como um todo. Mas a ênfase na discussão epistemológica aqui apresentada será aplicada às Ciências Sociais para, a partir de tais análises, ser possível pensar a questão da pesquisa científica na investigação do fenômeno “Política”.
A discussão sobre os métodos de pesquisa na Ciência Política e, naturalmente, nas demais Ciências Sociais envolve uma ampla discussão sobre epistemologias que norteiam a pesquisa científica sendo as mais conhecidas: o positivismo, a fenomenologia e a dialética. De alguma forma podemos dizer que temos estes três grandes paradigmas de interpretação da realidade, resultantes de três grandes correntes do pensamento ocidental: o positivismo de Auguste Comte, a fenomenologia husserliana (referente ao filósofo Edmund Husserl) e a dialética marxista que, como o próprio nome indica, toma como base o pensamento de Karl Marx. Por isso vamos analisar de forma mais direta cada uma destas três correntes epistemológicas.
Positivismo
O positivismo representa um certo anseio humano de rigor, racionalidade instrumental e eficácia, desde o século XIX, de inspiração experimentalista e modelo de ciência na física newtoniana, e que recebe novo alento no século XX com o neopositivismo, de inspiração lógica e que tem como modelo a física einsteniana, assim como todas as projeções desse pensamento nas ciências, como o behaviorismo na psicologia, a pedagogia tecnicista, o positivismo jurídico, a sociologia funcionalista, etc.
Em sua obra Discurso sobre o Espírito Positivo, Comte apresenta cinco acepções da palavra “positivo” que resumem a ideia do positivismo filosófico.
Considerada, em primeiro lugar, em sua acepção mais antiga e mais comum, a palavra positivo designa o real em oposição ao quimérico: neste sentido, convém plenamente ao novo espírito filosófico, que fica assim caracterizado pela sua constante consagração às indagações verdadeiramente acessíveis à nossa inteligência, com a exclusão efetiva dos impenetráveis mistérios com que se ocupava sobretudo a sua infância (COMTE, 1995, § 31)[1].
Em sua segunda acepção, “muito próximo do precedente, mas, entretanto, distinto, este termo fundamental indica o contraste entre o útil e o ocioso” (COMTE, 1995, § 31), quer isto dizer que nossas especulações devem visar sempre o melhoramento contínuo de nossa condição individual e coletiva, e não apenas uma curiosidade estéril. “Conforme um terceiro significado usual, esta feliz expressão é empregada freqüentemente (sic) para qualificar a oposição entre a certeza e a indecisão” (COMTE, 1995, § 31) ao invés de se ater a debates intermináveis como era costume antigamente. “Uma quarta acepção ordinária, demasiadas vezes confundida com a precedente, consiste em opor o preciso ao vago” (COMTE, 1995, § 31), ao invés de conduzir a opiniões vagas, seja apoiada na autoridade sobrenatural ou não, deve-se buscar uma precisão compatível com a natureza dos fenômenos. E ainda uma quinta acepção, quando se emprega positivo, como contrário do que é negativo, o que significa organizar, e não destruir (COMTE, 1995, § 32).
O positivismo representa uma ruptura com as concepções filosófico-metafísicas que permaneciam eminentemente no campo especulativo e defende a observação e a experiência como um dos mais importantes critérios de validade para se chegar ao conhecimento verdadeiro. Durante a longa “infância da humanidade” – no dizer de Comte –, as concepções teológico-metafísicas[2] puderam satisfazer as exigências da mente humana. Amadurecida, a razão abandona tais especulações exigindo algo mais completo, que só pode ser proporcionado pelo espírito positivo. Só o espírito positivo pode satisfazer a inteligência das leis que ela descobre (explicar) e da previsão racional (prever) dela inseparável.
Comte valorizava a observação e a experiência para dar forma científica no tratamento dos fenômenos físicos e sociais. O modelo científico proposto por Comte é fundamentalmente embasado nas ciências naturais, no método empírico-analítico e na objetividade dos fatos. Mas é preciso observar que o positivismo não se confunde meramente com o empirismo. Nas palavras de Comte: o “genuíno espírito positivo se acha tão afastado, no fundo, do empirismo como do misticismo” (COMTE, 1995, § 15). Os fatos propriamente ditos fornecem, por assim dizer, o material do conhecimento. Mas a verdadeira ciência não é formada por simples observação, mas inclui a previsão racional. “Ver para prever”: “o genuíno espírito positivo consiste em ver para prever, em estudar o que é, a fim de concluir o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais” (COMTE, 1995, § 15).
Tomando como modelo o método empírico-analítico das ciências exatas, Auguste Comte acreditou poder estudar os fenômenos sociais com base nos mesmos princípios. Esta é a razão pela qual Comte é considerado como o “Pai da Sociologia”. Na investigação dos fenômenos sociais (e políticos) deveria ser utilizado um método compatível com aquele utilizado nas ciências da natureza. Acontece que a transposição de conceitos das ciências naturais para o campo das Ciências Sociais revela-se problemática, uma vez que a sociedade não “funciona” nos mesmos moldes dos fenômenos físico-biológicos. Por isso é preciso fazer algumas ressalvas quanto à adoção literal de conceitos aplicados a organismos biológicos para a análise da sociedade e pela mesma razão, outras epistemologias foram estudadas como forma de resolver os impasses criados pela aplicação do positivismo ao estudo das ciências humanas e sociais (como veremos mais adiante o caso da fenomenologia e da dialética).
É preciso destacar que a aplicabilidade do positivismo ao estudo da Ciência Política não pode passar sem uma discussão sobre a diferença entre ciências sociais e ciências naturais, que tem como foco principal a natureza do objeto de estudo de cada uma delas. Dada a especificidade de cada objeto, supõe-se que cada uma exija um método diferente, ou seja, uma abordagem diferenciada do objeto. Por exemplo, é diferente a relação do matemático com seu objeto de estudo da relação que um cientista político mantém com seu objeto (a organização política, as formas de poder, políticas públicas etc.). Mas a despeito de suas limitações, o positivismo continua válido. Seja em sua aplicação ao estudo das ciências naturais, seja na hora de trabalhar com dados quantitativos e estatísticos das ciências sociais.
Fenomenologia
Uma outra grande corrente epistemológica na pesquisa corresponde à fenomenologia. Na visão de mundo fenomenológica, são privilegiados conceitos como intencionalidade do sujeito na apreensão do objeto, vivência, e redução à essência; a ideia de que a consciência não existe separada dos objetos, posto que é sempre consciência de alguma coisa (que lhe dá significado), e que o objeto deve ser compreendido pelo desvelamento de sucessivos perfis, de variadas perspectivas.
A fenomenologia se consolidou como uma linha de pensamento no século XX a partir das ideias do filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938). O termo fenomenologia designa o estudo dos fenômenos, isto é, aquilo que é dado a conhecer pela consciência. O fenômeno é o objeto de investigação fenomenológica, para elucidar o seu significado e, por fenômeno, podemos entender tudo o que se manifesta, se desvela se mostra à consciência do sujeito que o questiona.
Husserl define a fenomenologia como ciência dos fenômenos, sendo o fenômeno compreendido como aquilo que é imediatamente dado em si mesmo à consciência do homem. Para Husserl, a fenomenologia assume, principalmente, o papel de um método ou modo de ver a essência do mundo e de tudo quanto nele existe. A fenomenologia se ocupa da análise e interpretação dos fenômenos, mas com uma atitude totalmente diferente das ciências empíricas e exatas. Os fenômenos são os vividos pela consciência, os atos e os correlatos dessa consciência.
Um dos princípios básicos da fenomenologia diz respeito à intencionalidade da consciência. A consciência é sempre consciência de alguma coisa, estando direcionada para um determinado objeto em análise. Por sua vez, o objeto também é sempre objeto-para-um-sujeito. Por intermédio da ideia de intencionalidade a fenomenologia busca a superação das tendências empiristas e racionalistas, visando eliminar a dicotomia experiência-razão no processo de elaboração do conhecimento. A fenomenologia opõe-se aos postulados empiristas e parte do pressuposto de que não há objeto em si, mas o objeto existe para um indivíduo, indivíduo esse que atribui diferentes significados ao objeto. Ao contrário das ideias racionalistas, a fenomenologia considera que não há consciência pura, totalmente isolada do mundo, mas toda consciência é consciência de alguma coisa existente no mundo.
Desta forma, a abordagem fenomenológica põe em discussão a questão da objetividade científica, tão largamente defendida pelo positivismo, no sentido de que a compreensão de qualquer fenômeno só se realiza a partir da relação entre o pesquisador (o sujeito que conhece) e o objeto (o fenômeno a ser conhecido)[3]. “O pesquisador (cognoscente) parte do objeto (cognoscível) buscando, através de reflexão e interpretação dos dados coletados de várias maneiras de descobrir a essência do fenômeno” (FERRARI, 2008, p. 64). Esta abordagem não pode considerar o fenômeno de forma isolada já que todo conhecimento é sempre conhecimento para um sujeito que conhece. Por isso, a base do método fenomenológico é a interpretação-compreensão como caminho para conhecer o significado do fenômeno, mediação entre sujeito-objeto, Eu-fenômeno. Por isso, o método fenomenológico privilegia a utilização de técnicas não quantitativas como entrevistas, depoimentos, estudos de caso, história de vida, pois é necessário levar em consideração a capacidade de interpretação-compreensão do pesquisador sobre o fenômeno que é seu objeto de estudo. Diferentemente do positivismo, a subjetividade representa aqui um elemento fundamental e a interpretação do objeto é sempre interpretação do sujeito sobre um dado fenômeno.
Além da pesquisa fenomenológica, Pedro Ferrari analisa também a hermenêutica, por entender que a compreensão supõe a interpretação sendo necessário, portanto, a intervenção da hermenêutica no âmbito das pesquisas que entendem
a ciência como método de conhecimento subjetivo para o qual a ciência consiste na compreensão de fenômenos, a partir dos dados coletados em suas várias manifestações, na elucidação de pressupostos, dos mecanismos ocultos ou subjacentes, dos contextos nos quais os fenômenos fundamentaram-se (FERRARI, 2008, p. 63).
Como, porém, não estamos analisando neste momento a hermenêutica, mesmo concordando com Ferrari, pedimos ao leitor que considere apenas a abordagem fenomenológica e, nesse caso,
Diferente da abordagem empírico-analítica a fenomenológico-hermenêutica não confia na percepção imediata do objeto que somente proporciona as aparências, mas busca resgatar o verdadeiro sentido dos fenômenos aparentes e esclarecer a questão de saber em que estado se encontra o ser com sua possibilidade mais originária. Nessa concepção, a ciência deve ir da aparência à essência (FERRARI, 2008, p. 63).
Nas pesquisas fenomenológico-hermenêuticas, os critérios de cientificidade se fundamentam, segundo Sánchez Gamboa (1982 e 1987) e Silva (1997):
a) na reflexão interpretativa do pesquisador sobre o objeto e seu contexto. Não importa ao pesquisador, apenas o que expressa o objeto, cumpre interpretá-lo, desvendar o seu significado ou os seus significados, desvelar as mensagens ocultas (o essencial) no aparente. b) no método da compreensão busca os fundamentos que venham explicitar ou evidenciar as contradições existentes entre o que é dito e o que é efetivamente feito; o que é oficial o que é real; o que diz a teoria; a lei e o que a realidade concreta apresenta. c) na busca de respaldo na teoria que serviu de suporte para e investigação (confronto dos dados empíricos com as evidências teóricas). (apud FERRARI, 2008, p. 62).
Além disso, as abordagens fenomenológico-hermenêuticas devem ser analisadas a partir de várias categorias, dentre elas: nível técnico/teórico; nível epistemológico/gnosiológico (GAMBOA, 1999 apud FERRARI, 2006). No nível técnico, “as pesquisas fenomenológico-hermenêuticas utilizam técnicas não quantitativas como entrevistas, depoimentos, vivências, narrações, técnicas bibliográficas, histórias de vida e análise do discurso” (FERRARI, 2006, p. 41). Por isso o método fenomenológico é comumente empregado em pesquisa qualitativa, preocupando-se com a descrição direta da experiência, ou seja, como ela se apresenta; a realidade é construída socialmente e entendida da forma que é interpretada, podendo, com isso, haver tantas quantas forem suas interpretações e não uma única. No nível teórico, como toda pesquisa, o método fenomenológico parte de pesquisas bibliográficas, incluindo aí análise de documentos e textos. Já no nível epistemológico, as pesquisas fenomenológico-hermenêuticas “possuem uma concepção de causalidade, entendida como uma relação entre o fenômeno e a essência, o todo e as partes, o objeto e o contexto (fenomenológicas)” (FERRARI, 2006, p. 42), e no nível gnosiológico (relação sujeito-objeto) predomina, como já mencionamos mais acima, a subjetividade, entendida como uma predominância marcante do sujeito na interpretação do objeto.
Para pôr em prática o método fenomenológico, conforme Martins e Bicudo (1989), é necessário, frente ao fenômeno investigado, que o pesquisador assuma uma atitude radical, colocando entre parênteses ou em suspensão o mundo natural. A crença na realidade do mundo natural e todas as proposições que dessa crença possam ter origem, devem ser colocadas entre parênteses por meio da chamada epoché fenomenológica.
Enfim, por tudo o que expomos, podemos dizer que fenomenologia pode ser vista: a) como uma prática científica; b) como uma metodologia da compreensão; c) como uma filosofia das ciências; d) como uma estética da existência.
Dialética
A terceira grande corrente geral de interpretação da realidade é a dialética. A Dialética visa alcançar a dinâmica histórica do real, do objeto em todos os seus aspectos, em seu contínuo movimento, explicável pelas leis da dialética jamais em uma visão estática e unilateral. Numa metodologia assim, incabível se apresenta a concepção de ciência neutra e apolítica, muito pelo contrário, o método dialético, em sua feição técnica mesmo, sempre conclui pelo posicionamento claro do pesquisador, esclarecendo as intenções, conscientes ou não, implícitas ou não, que, no caso da Ciência Política, serão sempre parte do objeto de estudo (porque histórico).
Marx não chegou a desenvolver sistematicamente o seu método. Limitou-se, em princípio, a aplicá-lo. Mas a maneira como o fez, como dele se utiliza, a análise a que procede do capitalismo e a sua teoria econômica daí resultante, constituem exemplo máximo e fornece elementos para traçar, ao menos em linhas gerais, aquilo em que essencialmente constituem seus procedimentos metodológicos, desenvolvendo aquilo que Caio Prado Júnior chamou de a teoria marxista do conhecimento (Edição Eletrônica, s/d), quer dizer, sua dialética materialista. Vale salientar que um entendimento da dialética hegeliana é indispensável para sua compreensão já que Marx não desenvolveu sistematicamente essa teoria.
O pensamento hegeliano pode ser encarado como um mergulho profundo na história como forma de compreensão do presente. O desenvolvimento histórico com todas as suas tramas multivariadas, seu dinamismo e devir. Mas o real é um momento do Espírito Absoluto, a história do movimento do Espírito criador, a consciência que “reflete”, que realiza um movimento de ida e volta sobre si mesma. Para Hegel, a dialética é este movimento, o estado do espírito cuja lógica assenta-se na contradição.
Antes de Marx, Hegel já sustentava que o movimento se dá pela oposição dos contrários, isto é, pela contradição. A distinção entre ambos consiste na explicação que é dada ao movimento pois, enquanto em Hegel observamos um certo idealismo onde o movimento se localiza no interior de um Espírito Absoluto, Marx o localiza no próprio mundo material, desconsiderando toda e qualquer referência ao idealismo hegeliano. E é por essa razão que Marx chegou a afirmar que a dialética hegeliana estava de cabeça para baixo e que era preciso colocá-la sobre os pés. De qualquer modo, seja em Marx ou em Hegel,
A realidade no seu todo subjetivo-objetivo é dialética e contraditória, o que implica a centralidade desse conceito na metodologia proposta. A contradição sempre expressa uma relação de conflito no devir do real. Essa relação se dá na definição de um elemento pelo que ele não é. Assim, cada coisa exige a existência do seu contrário, como determinação e negação do outro. As propriedades das coisas decorrem dessa determinação recíproca e não das relações de exterioridade (FERRARI, 2008, p. 27).
Se por um lado, foi em Hegel que Marx buscou os fundamentos mais importantes do seu método, por outro, a dialética marxista se insere na tentativa de superação da dialética hegeliana. Ao contrário de Hegel, Marx não considera a dialética como qualidade de um “Espírito Absoluto”, mas subordinada ao conjunto das relações concretas e históricas que os homens estabelecem entre si para produção da sua existência material e social.
A título de exemplo, pode-se tratar da questão da relação entre a consciência e a realidade. Esse ponto foi decisivo no contraponto entre o marxismo e o idealismo hegeliano. Para o idealismo é a consciência que produz a realidade. Para Marx é justamente o contrário: a realidade, ao contrário, ao invés de produto é a produtora da consciência. Com isso, o marxismo inaugura um método que se sustenta pela concreticidade do real a partir da ordem material das coisas e não pela especulação direcionada à consciência do espírito como no método fenomenológico hegeliano.
Segundo Ianni (2003) a dialética hegeliana foi desenvolvida por Marx e outros pensadores na filosofia e ciências sociais onde se reabriu os contrapontos: indivíduo e história, classes sociais e grupos sociais, sociedade civil e Estado, soberania e hegemonia, classes subalternas e classes dominantes, reforma e revolução, capitalismo e socialismo. Alguns momentos lógicos da reflexão dialética compreendem contrapontos e articulações tais como: aparência e essência, parte e todo, presente e passado, singular e universal. O seu princípio explicativo fundamental é o da “contradição” (apud BARRA, 2007, p. 01).
Segundo Meksenas pode-se caracterizar como elementos pertencentes à tipologia marxista:
a) a ciência é produto da história e continuará a sê-lo enquanto houver relações dos indivíduos entre si e com a natureza. Isto é, só posso conhecer, conceituar e pesquisar o mundo quando admito que o indivíduo age socialmente com ou contra seus semelhantes; b) o conhecimento da natureza e do ser humano realiza-se por meio da influência que os indivíduos recebem das relações sociais tornadas econômicas [...]. Faz-se necessário o conhecimento das relações sociais de produção e de sua distribuição, isto é, das condições produtoras da riqueza e da miséria (2002, p. 84).
Já Pedro Ferrari fala de três etapas distintas e complementares do movimento dialético que são resumidas da seguinte maneira:
a formulação de uma tese (como ponto de partida); o inevitável encontro dessa tese com elementos contraditórios à mesma, formando, assim, a antítese; e, enfim, a convergência de idéias (sic) que funciona, temporariamente, como um denominador comum (entre ambas) (FERRARI, 2008, p. 27).
A discussão sobre o método dialético envolve diferentes categorias que paulatinamente foram se desenvolvendo a partir dos escritos de Karl Marx. Dentre essas categorias, destacam-se: o concreto e suas mediações; consciência e realidade; o papel da ciência; a noção de verdade. Além disso, tal como na fenomenologia, uma pesquisa epistemológica em uma perspectiva crítico-dialético inclui “elementos gnosiológicos, lógicos, ontológicos e históricos, presentes nos processos de conhecimento humano” (FERRARI, 2008, p. 30).
Referências Bibliográficas
BARRA, Alex Santos Bandeira. Marxismo e a produção do conhecimento. Revista Urutágua, Maringá-PR, nº 11, p 01-06, dez/mar 2007.
BUNGE, Mario Augusto. Epistemologia: curso de atualização. 2. ed. São Paulo: T. A. Queiroz , Univ. de São Paulo, 1980.
COMTE, Auguste. O Espírito Positivo. Portugal: RES-Editora, s/d.
____. Discours sur L’Ésprit Positif. Paris:Librairie Philosophique J. VRIN, 1995. (No site da Biblioteca Nacional da França (BNF Gallica) é possível obter uma série de obras do filósofo Auguste Comte, no original).
FERRARI, Pedro. A dinâmica da pesquisa na área de filosofia e educação no programa de pós-graduação em educação da FE/Unicamp: teses de doutoramento defendidas no grupo de estudos e pesquisas em filosofia e educação paidéia (1985 – 2002). Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP, 2008.
MARTINS, J.; BICUDO, M.A.V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes/Educ. 1989.
MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ação pedagógica: conceitos, métodos e práticas. São Paulo: Loyola, 2002.
PRADO JÚNIOR, Caio. Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista. Edição Eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores, s/d.
SÁNCHEZ GAMBOA, Sílvio. Fundamentos para la investigación educativa: pressupostos epistemológicos que orientam al investigador. Santa Fé de Bogotá: Cooperativa Editorial Magisterio, 1998.
[1] Para as referências sobre a obra Discurso sobre o Espírito Positivo utilizamos duas edições: uma no original, de 1995, e uma tradução para o português de Portugal, sem data. Ao invés de usarmos como referência o número da página, usamos o número do parágrafo, como consta nas duas edições.
[2] O Estado Teológico ou fictício é discutido nos §§ 3-8 e inclui o fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo. Já o Estado Metafísico ou abstrato é discutido nos §§ 9-11. O Estado Teológico é um estágio preparatório, o Metafísico é transitório, e o Estado Positivo ou real, que Comte discute nos §§ 12-16, é o estágio definitivo da razão humana.
[3] Essa forma de se pensar e conduzir a pesquisa apresenta em si à questão da subjetividade. Para a fenomenologia nada é objetivo, antes de ter sido subjetivo, ou seja, é a subjetividade que permite alcançar graus de objetividade.
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