Qigong ou Chi Kung

 

            Qigong ou Chi Kung é um termo de origem chinesa e se refere ao trabalho ou exercício de cultivo da energia (chi). Literalmente significa trabalho (kung) da energia (chi) e “consiste em práticas milenares usadas para estimular, nutrir e canalizar o fluxo de energia na rede de meridianos do organismo humano, revitalizando o corpo e a mente” (LIVRAMENTO, 2011, p. 26). A prática de Qigong: "compreende um conjunto amplo de técnicas de exercícios corporais. Seus movimentos e posturas são realizados de modo coordenado com questões psíquicas, principalmente o relaxamento e a respiração” (CADORE, et. al., 2020, p. 1045). Tais exercícios têm a finalidade de estimular e promover uma melhor circulação de energia no corpo, sua flexibilização e fortalecimento, no qual a respiração desempenha um papel fundamental, “pois se trata de um elemento importante para se alcançarem os propósitos previstos nessas práticas” (CADORE, et. al., 2020, p. 1045).

            A prática de Chi Kung visa harmonizar a energia vital (chi), equilibrar o corpo e a mente. Ao fazer a energia vital fluir de forma harmoniosa o Chi Kung promove o equilíbrio do corpo físico promovendo a saúde e o bem-estar.

As práticas de Qi Gong envolvem, em geral, quatro fases. A primeira fase, de Desbloqueio, libera os canais para melhor captar as energias, fortalecer a estrutura óssea e a medula. Na segunda fase, de Captação, se busca captar a energia exterior. A fase de Circulação, em que os movimentos favorecem a circulação da energia captada pelos canais, para limpar, nutrir e fortalecer os órgãos internos. A fase de Armazenamento, quando se reserva a energia captada e circulada nos centros energéticos, para usar quando necessário (LIVRAMENTO, 2011, p. 26).

            Na prática de Qi Gong é importante equilibrar as posturas estáticas - Jing Gong - com os exercícios de movimento - Dong Gong. A estática que o Qigong enfatiza é, na verdade, uma combinação de dinâmico e estático, que é vívido de estático, estático externo e dinâmico interno, e dinâmico interno. Existem três tipos de posturas Jing Gong: de pé, sentado e deitado. É importante também equilibrar o movimento e o repouso, pois o movimento sem repouso esgota o Qi (energia), e o repouso sem movimento provoca torpor e enfraquece o corpo.

            A origem do Qigong ainda é pouco conhecida mas acredita-se que seja derivado de técnicas milenares conhecidas como Dao Yin (práticas de meditação de origem taoísta), sendo que sua origem não está associada a um indivíduo em particular e suas diversas técnicas desenvolveram-se separadamente em diversos locais da China. “Qigong é uma prática de exercícios pertencentes à Medicina Tradicional Chinesa (MTC) com pelo menos 2000 anos de sistematização. Um dos pioneiros em sua sistematização foi o médico chinês Hua Tuo (163 DC)” (LIVRAMENTO, 2011, p. 24).

 

Fragmentos de diagrama possivelmente representando formas de Qigong, encontrado na cidade chinesa de Ma Wang Tui

 

Disponível em: Wikipedia. Acesso em: 16 mar. 2023.

 

 

            Não há consenso quanto a sua origem. Mas podemos destacar sua prática na época da Dinastia Han (206 aC - 220 dC), onde documentos históricos antigos dessa época retratam essa prática, como o diagrama pintado em seda encontrado na tumba da cidade chinesa de Ma Wang Tui. Há indícios também de sua prática na dinastia Dong Jing “através do monge taoista Wun Xu (239-374), embora não tenha sido amplamente adotada por milhares de anos” (BARAI, et. al., 2018, p. 2).

De acordo com a literatura antiga o termo Qigong apareceu a primeira vez no “Jin Ming Zong Jiao Lu” escrito pelo monge Taoísta Wun Xu (239-374) na dinastia Jin mas não foi adotado amplamente através dos milhares de anos de mudanças de dinastias até a dinastia manchu, Qing (1644-1911) e recentemente em livros de saúde e medicina na república chinesa a partir de 1911 (LIVRAMENTO, 2011, p. 25).

            Desde o século XX que o Qigong vem sendo aplicado com o mesmo propósito milenar de desenvolvimento da força (física, energética, mental ou espiritual) ou para fins terapêuticos, através de exercícios e movimentos corporais. A partir de 1950, “após a fundação do Sanatório Qigong na Província de Herbei em Tangshan, sua prática vem sendo diversificada por taoistas, budistas, confucionistas, praticantes de artes marciais e também utilizadas em clínicas médicas chinesas no tratamento da saúde” (BARAI, et. al., 2018, p. 2).

            O Qigong resulta das experiências dos chineses no uso da energia para tratar doenças e promover saúde. Através da sua prática é possível ativar e promover o fluxo da energia “Qi”: “Qi é bio-energia em diferentes formas podendo ser material ou imaterial, desempenhando a função de nutrir os órgãos, tecidos e células -também a mente e o corpo - sendo essencial para que haja a vida” (BARAI, et. al., 2018, p. 2).

Atualmente na China existem diversas escolas e estilos de Qigong, no entanto, apenas três dessas escolas de formação são consideradas as mais relevantes: a escola médica [com ênfase na prevenção, diagnóstico e manutenção da saúde], a escola marcial [com ênfase no desenvolvimento da força] e a escola espiritual [com ênfase no desenvolvimento espiritual]. Estas, apesar de funcionarem de modo diferente, baseiam-se na mesma filosofia e partilham os mesmos princípios essenciais, divergindo somente na utilização de técnicas, as quais diferem em função dos seus objetivos específicos (OLIVEIRA, 2014, p. 19).

            Existem diversas sequências de exercícios de Qi Gong. Dentre as mais conhecidas podemos citar (LIVRAMENTO, 2011, p. 40):

• o Lian Gong Shi Ba Fa (em chinês: 练功十八法) utilizado como técnica de exercícios para prevenir e tratar de dores no corpo e restaurar a sua movimentação natural (ginástica terapêutica preventiva);
• o I Qi Gong (exercícios que fortalecem as funções do coração e dos pulmões);
• o Yi Jin Jing ou I Chin Ching ou (易筋經), que pode ser traduzido como Clássico (ou Tratado, ou Livro) da renovação (ou transformação) dos músculos e tendões, utilizado para manter a boa forma física, o condicionamento físico, e na recuperação de indisposições relacionadas a problemas musculares e ósseos (exercícios de fortalecimento de músculos e tendões);
• o Ba duan Jin (八段锦) (ou "pa tuan chin") que pode ser traduzido literalmente como “Oito peças de brocado” (exercícios para tonificar órgãos e sistemas internos);
• Wu Qin Shi (Wuqin xi) - 五禽戲 - , chamado de jogo ou brincadeira dos cinco animais, utilizado para melhorar a forma física, para fins terapêuticos,  facilitar a livre circulação da energia (chi) e aumentar a resistência às doenças (exercícios dos 5 animais);
• o Zhang Zhuang ou Chang Chuang (站椿), que é uma forma de meditação feita em pé, em um estado de aparente imobilidade (exercícios estáticos para circulação da energia);
• Da Yan Qigong (exercícios do Ganso selvagem);
• Liu Zi Jue (6 sons de cura);
• o Tai Ji Qi Gong Shi Ba Shi (exercícios Qigong que se espelham na prática do Tai Ji Quan);
• o Chansi Gong (纏絲功), ou Enrolar o fio de seda, que são exercícios realizados em um estado de concentração meditativa com ênfase no relaxamento.
   

            Muitos se perguntam pela diferença entre Tai Chi Chuan e Qigong. Basicamente o Tai Chi Chuan é considerado uma arte marcial chinesa derivada do Kung Fu e teve origem há cerca de 800 anos. Já o Qigong é outra prática chinesa desenvolvida há mais de 2000 anos para melhorar a saúde, a energia e o bem-estar, concentrando-se em movimentar o chi (Qi) ou energia vital.

 

Os 3 Elementos Fundamentais do Qi Gong

Equilibrar o Corpo (Tiao Xing)- Tentar harmonizar a postura, conseguir ter o corpo descontraído, sem tensão sem no entanto ficar mole. harmonizar o corpo favorece a circulação de energia vital.

Equilibrar a Respiração (Tiao Xi)- Conciliar a respiração com o movimento. Com a respiração lenta, profunda e regular, há o fortalecimento das funções respiratórias facilitando a circulação de sangue e energia (Qi). O controle da respiração facilita a concentração mental e nutre e armazena a energia no Dan Tian.

Equilibrar a Mente/Espírito (Tiao Xin) - A prática proporciona um estado de consciência em que existe tranquilidade e ausência de ideias confusas. Há o fortalecimento das funções cerebrais e o equilíbrio dos sentimentos e emoções. Este estado de consciência também vai contribuir com o aumento de energia vital e sua circulação.

O grande objetivo da prática do Qi Gong é a unificação (Zheng) dos três elementos.

 

Os 8 Princípios do Qi Gong

Os 8 princípios vão ajudar a praticar de uma forma mais eficaz, profunda, prazerosa e acima de tudo, mais terapêutica:

Yuan - O primeiro princípio é o conceito de arredondar o corpo. Tendo como modelo o símbolo redondo do Yin e Yang, pode-se tentar manter as articulações abertas, para um melhor fluxo de energia (Qi) através de todos os meridianos e de todo o organismo.

Zheng - De seguida tentar unificar os três elementos: corpo, mente e respiração. Concentrar a mente na coordenação do movimento do corpo, com a inspiração e a expiração.

Zhong - Estar centrado no que se está a fazer, em Dan Tian, no momento, no exercício, na unificação (corpo, mente,respiração).

Man - Pleno, o quarto princípio é deixar-se envolver no Chi Kung, sentir que todo o corpo está preenchido de energia. Pode visualizar as articulações que abrem e expandem, todo o corpo está totalmente preenchido de uma energia vibrante que preenche e nutre cada célula, cada molécula, cada órgão ou tecido.

Song - Relaxado, procurar a descontração de forma a que a energia possa fluir e permita também apreciar o exercício.

Huo - Sentir-se vivo, perceber a suavidade e a leveza com que se move, e sentir a maravilhosa vibração de todo o corpo e suas funções que lhe permitem responder ao que lhe é solicitado.

Lian - estar ligado a todas as partes do corpo, ao parceiro, a tudo o que está à volta.

Ling - o princípio de Ling significa ser eficaz. Praticar utilizando os 8 princípios de tal forma, que o Chi Kung se torna mágico, sobrenatural.

 

Benefícios para a Saúde

            A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a prática do Qigong entre as formas de Medicina Tradicional Chinesa, recomendando sua inclusão nos sistemas de saúde, embora sua prática seja vista ainda com algum ceticismo por membros da comunidade médica no ocidente.

         O Qigong tem diferentes possibilidades terapêuticas, tanto do ponto de vista psíquico (equilíbrio das emoções, concentração mental), como físico. E para alcançar esse equilíbrio físico e mental, utiliza-se o qi, a energia, que promove a autorregulação do organismo e da mente através da regulação “da energia yin e yang a fim de atingir o equilíbrio, o que na linguagem da medicina ocidental equivale ao termo homeostasia” (OLIVEIRA, 2014, p. 22).

            A prática do Qigong, como uma técnica de relaxamento, pode contribuir, por exemplo, no tratamento da ansiedade.

Maldonado et al. (2005) realizaram uma investigação em Espanha através da qual pretenderam analisar os efeitos do Qigong, controlando a quantidade de hormonas, a ansiedade, a TA [tensão arterial] e a qualidade subjetiva do sono [...] Quer na fase inicial quer na fase final do estudo os autores procederam à avaliação de cortisol no sangue, da Hormona Adrenocorticotrópica (ACTH), da Hormona Estimulante da Tiróide (TSH), da Hormona Paratiróide (PTH), da TA, da ansiedade através da Escala de Ansiedade de Hamilton e do Inventário de Ansiedade de Beck e da avaliação da qualidade subjetiva do sono, mediante o questionário da qualidade subjetiva de Pittsburg (OLIVEIRA, 2014, p. 25).

               Sobre os valores da TA e da qualidade subjetiva do sono, não houve diferenças significativas entre o grupo de controle (n=13) e o grupo que praticou o Qigong (n=12), em uma amostra de 25 alunos universitários. Por outro lado, “o grupo de Qigong apresentou níveis mais baixos de cortisol, de ACTH e de ansiedade relativamente aos níveis registados no grupo de controlo, concluindo-se deste modo que a prática regular de Qigong parece inibir o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal” (OLIVEIRA, 2014, p. 26).

            Práticas que envolvam simultaneamente corpo/mente, como é o caso do Qigong, são atividades que causam efeitos positivos no bem-estar psicológico, bem como na redução da ansiedade.

Através de um ensaio randomizado e controlado, Chan et al. (2013) pretenderam avaliar a possível influência do treino do Qigong nos níveis de ansiedade, stress e depressão em estudantes. A amostra, constituída por 34 estudantes, foi distribuída por dois grupos: o grupo de estudo (n=18) e o grupo de controlo (n=16). Ao longo de dez semanas, os estudantes do grupo de estudo praticaram Qigong duas vezes por semana, enquanto o outro grupo não teve qualquer intervenção. Durante a investigação foram aplicados os seguintes instrumentos: a Escala de Avaliação da Depressão, Ansiedade e Stress (DASS-21), o questionário de saúde do paciente (PHP) e um marcador bioquímico, designadamente o cortisol salivar. Os resultados alcançados demonstraram que apenas o grupo de estudo apresentou melhorias estatisticamente significativas ao nível dos valores da ansiedade, stress e depressão, e uma diminuição das concentrações no cortisol salivar. Face aos resultados dos testes psicométricos e dos marcadores bioquímicos de stress, os autores concluíram então que a prática de Qigong melhora os estados psicológicos (OLIVEIRA, 2014, p. 27).

              Em seu estudo, Oliveira (2014) procurou analisar como a prática contínua de Qigong influencia os níveis de ansiedade de um grupo de professores, dos quais 19 professores realizaram os exercícios de Qigong e 19 professores que não realizaram os exercícios com o objetivo de comparar os resultados obtidos. Entre as conclusões observadas pelo autor da pesquisa, destaca-se que o Qigong: “é uma boa alternativa ao tratamento farmacológico [...] técnica segura e efetiva sem qualquer efeito adverso e a um custo praticamente nulo [...] influencia positivamente os níveis de ansiedade nos professores” (OLIVEIRA, 2014, p. 69).

            Na pesquisa realizada por Livramento (2011) que tinha como objetivo avaliar o efeito da prática do Qigong, utilizando a sequência de exercícios Shi Ba Shi, nos níveis da pressão arterial e, consequentemente, na qualidade de vida de indivíduos com hipertensão arterial essencial, constatou-se que “A prática regular do Qigong reduziu os níveis de pressão arterial e melhorou a qualidade de vida em pacientes hipertensos, sugerindo que essa atividade física e mental possa ser considerada uma técnica eficaz no tratamento da HAS essencial” (LIVRAMENTO, 2011, p. 13).

            Procurando responder à questão, se a “prática de Qigong produz efeitos benéficos para a saúde de adultos e idosos?” Toneti, et. al., (2020), identificou 28 estudos que abordam os benefícios da prática do Qigong para a saúde, seja considerando os benefícios para a doença de Parkinson, fibromialgia, fadiga e qualidade do sono e muitos outros: Effect of health Baduanjin Qigong for mild to moderate Parkinson’s disease (XIAO; ZHUANG, 2016); A randomized controlled trial of qigong for fibromyalgia (LYNC, et. al., 2012); A randomized controlled trial of qigong on fatigue and sleep quality for non-Hodgkin’s lymphoma patients undergoing chemotherapy (YEH; CHUNG, 2016).

            A conclusão dos autores, é que “é necessário incentivar estudos com foco nos resultados do Qigong, considerando a prevenção e a promoção de saúde, pois a maior parte das pesquisas busca investigar pessoas com enfermidades já estabelecidas” (TONETI, et. al., 2020, p. 9) e, por isso, reforçam “a necessidade do fortalecimento do uso de PIC, como o Qigong, na assistência em saúde com vistas à garantia da integralidade e melhora da assistência na atenção à saúde oferecida aos adultos e idosos” (TONETI, et. al., 2020, p. 9).

 

Referências

BARAI, Alexandre. Prática do Qigong no ensino fundamental. Revista Ensaios Pioneiros, v. 2, n. 1, p. 1-11, 2018. Acesso em: 25 ago. 2022.

CADORE, Natália de Toledo [et. al.]. Práticas integrativas e complementares: percepções de praticantes de Chi Kung. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, v. 3, p. 1041-1055, 2020. Acesso em: 25 ago. 2022.

LYNCH M, SAWYNOK J, HIEW C, MARCON D. A randomized controlled trial of Qigong for fibromyalgia. Arthritis Res Ther, 14(4), 2012. Acesso em: 02 ago. 2023.

LIVRAMENTO, Gutembergue Cruz do. Efeitos do Qigong na pressão arterial e na qualidade de vida em pacientes com hipertensão arterial essencial. 73f. Dissertação (Mestrado em Medicina e Saúde Humana), Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador-BA, 2011.

OLIVEIRA, Renato Paulo da Mota. Qigong na escola como método de controlo da ansiedade nos professores. Dissertação (Mestrado em Medicina Tradicional Chinea), Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, 2014.

TONETI, B. F. [et. al.]. Benefits of Qigong as an integrative and complementary practice for health: a systematic review. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 28, p. 1-12, 2020. Acesso em: 02 ago. 2023.

XIAO CM, ZHUANG YC. Effect of health Baduanjin Qigong for mild to moderate Parkinson’s disease. Geriatr Gerontol Int., 16(8), p. 911-919, 2016. Acesso em: 02 ago. 2023.

YEH ML, CHUNG YC. A randomized controlled trial of qigong on fatigue and sleep quality for non-Hodgkin’s lymphoma patients undergoing chemotherapy. Eur J Oncol Nurs., v. 23, p. 81-86, 2016. Acesso em: 02 ago. 2023.
 

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