Brexit

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em: jun. 2019

            Em 1992, 12 países fundaram a União Europeia (UE) e entre eles estava o Reino Unido (RU). Quando a moeda comum, o euro, começou a circular, em 1º de janeiro de 2002, o RU continuou usando a libra o que demonstra que os britânicos sempre tiveram algum ceticismo em relação à integração completa com o continente europeu. O Tratado de Lisboa (acesse o link sobre o Lisbon Treaty), em seu artigo 50, prevê a possibilidade de um Estado membro se desligar da EU: “o país interessado em se desvincular do bloco europeu precisaria notificar esta decisão ao Conselho Europeu, passando a União a negociar o formato da futura relação entre o bloco e o país retirante” (GLITZ, 2018, p. 549).

            Em 23 de junho de 2016, cidadãos britânicos votaram num referendo que aprovaria a permanência ou saída do país da União Europeia. Esse processo ficou conhecido Brexit – termo cunhado a partir das expressões em inglês “British/Britain” (britânico) e “Exit” (saída) – e desencadeou uma intensa disputa com destaque para Dominic Cummings (Benedict Cumberbatch foi o protagonista do filme, lançado no Brasil em 2019, de mesmo nome), que liderou uma forte campanha que possuía como foco principal convencer o maior número possível de britânicos a votarem a favor da saída do Reino Unido da União Europeia. O embate entre aqueles que queriam deixar a União Europeia (Vote Leave – site: https://www.voteleavetakecontrol.org/) e os que queriam a permanência (Remain) foi marcada pela manipulação midiática, por notícias falsas e controle de dados pessoais através das redes sociais. No referendo, 51,8% dos britânicos votaram a favor da saída do Reino Unido da UE e 48,2% se opuseram.

Os votos pela permanência originaram-se principalmente das grandes cidades (notadamente Londres) e da população jovem e com alto nível de educação. Na Escócia, na Irlanda e no território de Gibraltar também votou-se em peso pela continuidade do Reino Unido na UE. Já pela saída, votaram a favor pessoas mais idosas e de regiões rurais. Também destacam-se as divisões no interior do Partido Trabalhista – devido às políticas neoliberais de austeridade da UE, à possível perda de empregos para imigrantes e estrangeiros. Em suma, consideram-se como principais razões para o resultado do referendo: a xenofobia; o descontentamento com as elites e governos; o nacionalismo; a aversão ao neoliberalismo; a má situação financeira; e a baixa qualidade do discurso político (MEDEIROS; CATTELAN, 2016, p. 13).

            Considerando que há diversas questões a serem tratadas em relação à saída do RU do bloco da UE, de cunho político, econômico ou social, este processo está atualmente em curso e a previsão é de que seja finalizado, em média, em 2 anos.

            Para alcançar a vitória e deixar a UE, o Vote Leave, liderado por Cummings, usou táticas da era da informação conseguindo influenciar o eleitorado de uma forma que decidiu o resultado do referendo e influenciaria futuras eleições ao redor do mundo. Cummings foi responsável por implementar técnicas avançadas de mineração de dados com o intuito de motivar os eleitores a aderirem o Vote Leave.

 

Informação é Poder

            De acordo com o roteiro do filme protagonizado por Benedict Cumberbatch, foi produzido um software que combinava dados do facebook e do twitter em um banco de dados em tempo real. Através de algoritmos, o software analisava e combinava os dados para direcionar campanhas publicitárias personalizadas. Os algoritmos aprendem sobre o nosso comportamento e até mesmo estado emocional ao analisar postagens nas redes sociais e, com isso, o sistema consegue fazer previsões ao analisar os dados de 2 bilhões de pessoas inserindo dados várias vezes ao dia. Esse comportamento pode ser analisado porque um número tão alto de postagens cria padrões e semelhanças aparecem, pois mostramos quem somos e o que queremos com nossas postagens e essas informações podem ser utilizadas para agência de dados e campanhas publicitárias. Foi o que aconteceu durante o Brexit e que, provavelmente, deu a vitória à campanha do Vote Leave.

 

Questões econômicas

            A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia foi acompanha com grande interesse pela comunidade europeia uma vez que tal decisão poderia gerar um retrocesso do processo de integração regional europeu.

            No centro do debate estava a ideia nacionalista para recuperar um possível passado glorioso em um contexto de protecionismo econômico que tende a “culpar o estrangeiro pelos problemas econômicos internos” (MEDEIROS; CATTELAN, 2016, p. 10). A questão da imigração foi um fator de peso para os defensores do Brexit e, como ressaltam McNabb e Guimarães (p. 21), a participação da Reino Unido na EU deixa o país aberto ao fluxo migratório oriundo das populações advindas do bloco, sendo que “A população britânica é contra os maiores fluxos migratórios, independentemente da origem dos mesmos, por acusá-los de serem a maior causa dos problemas econômicos e sociais que o país enfrenta” (id., p. 21). Conforme a imagem abaixo, é possível perceber que o Reino Unido fica atrás apenas da Alemanha em relação ao contingente de imigrantes.

(EUROSAT, 2018 apud MCNABB; GUIMARÃES, p. 21)

 

            Outras questões econômicas estavam no centro do debate para aqueles que defendiam a saída do Reino Unido da EU, como a discussão em torno dos recursos destinados à EU que poderiam ser utilizados para outros serviços públicos.

Crenças como a de que a saída do bloco europeu traria menores gastos por não terem que pagar taxas de associação para orçamento europeu, assim como o maior controle de suas fronteiras, permitindo um menor número de imigrantes europeus e, consequentemente, mais oportunidades de empregos e melhores salários foram utilizadas em tais campanhas (The Economist, 2016; Carl, 2018 apud MCNABB; GUIMARÃES, p. 6).

           Por outro lado, as justificativas dos defensores da permanência se baseavam em ideias como: “o prestígio internacional, os ganhos econômicos, as vantagens de se admitir imigrantes e questões de segurança internacional (combate ao terrorismo, por exemplo)” (MEDEIROS; CATTELAN, 2016, p. 13).

            O resultado do referendo em favor do Brexit teve impactos imediatos: “o primeiro impacto visível foi a desvalorização da libra esterlina vis-à-vis o dólar norte americano [...] A libra caiu aos níveis mais baixos dos últimos dez anos” (GOMES, 2016, p. 8). Medeiros e Cattelan (2016, p. 13) destacam ainda entre os impactos do Brexit:

O preço das ações e títulos do país caíram. O Reino Unido teve sua nota de crédito rebaixada por agências de classificação de risco. Também notou-se um aumento nos registros de casos de racismo e xenofobia nos dias seguintes ao referendo. O primeiro-ministro David Cameron renunciou após a derrota no plebiscito.

            Há pelo menos três cenários possíveis de saída do RU da EU: 1) uma saída em acordo com um período de transição/implementação para o ajuste das regras de comércio entre o RU e a EU em que “o Parlamento britânico aprovaria a proposta do Tratado de Retirada já negociado entre Governo do Reino Unido e a Comissão Europeia” (PLATAFORMA SOBRE O BREXIT, 2019, p. 4); 2) uma saída sem acordo e, neste caso, o RU deixaria imediatamente de seguir as regras de comércio da EU sem nenhuma transição; 3) “outra forma de saída: dependeria do Reino Unido apresentar aos líderes europeus, e estes aceitarem, indicação de novo caminho a ser seguido para o processo do Brexit” (PLATAFORMA SOBRE O BREXIT, 2019, p. 5).

 

Referências Bibliográficas

EUROSTAT. Migration and migrant population statistics. 2018. Acesso em: 12 jun. 2019.

GLITZ, Frederico E. Z. Brexit, Direito Contratual Europeu e Mercosul: lições para a integração. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, v. 23, n. 2, p. 549-577, mai./ago., 2018.

GOMES, Ieda. Potenciais impactos do Brexit nos mercados globais de energia. Boletim de Conjuntura, n. 7, p. 7-10, jul., 2016. Acesso em: 08 jun. 2019.

MEDEIROS, Klei; CATTELAN, Pedro Henrique P. O significado e os reflexos do BREXIT: crises no centro do sistema, nacionalismos e reações aos processos de integração regional. Bol. Conj. Nerint, Porto Alegre, v.1, n. 2, p. 1-83, set., 2016. Acesso em: 08 jun. 2019.

PLATAFORMA SOBRE O BREXIT. Relatório da embaixada do Brasil em Londres, 2019. Acesso em: 09 jun. 2019.

THE ECONOMIST. EU referendum: The arguments for voting Remain. 2016. Acesso em: 12 jun. 2019.

MCNABB, Carolina Vanzato; GUIMARÃES, Thaís A. A saída do Reino Unido da União Econômica e Monetária Europeia (Brexit): Uma avaliação a partir das crises recentes e da instabilidade interna do bloco.

 

 

A Política e suas Interfaces → Economia Política →  Brexit