A Teoria das Ideias e a Dialética
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2015
O centro do pensamento de Platão é aquilo que é conhecido como a Teoria das Ideias. As Ideias não são simples conceitos ou representações mentais na filosofia de Platão como poderíamos ser levados a crer, mas constituem “[...] o verdadeiro ser, o ser por excelência. São as essências das coisas. Aquilo que faz com que cada coisa seja aquilo que é. Representam o modelo permanente de cada coisa” (NODARI, 2004, p. 360). Como essência das coisas as Ideias não são relativas a um sujeito particular mas impõem-se como algo absoluto sendo, portanto, “o ser verdadeiro” (id., ibidem, p. 360). Giovani Reale (1994 e 1997) resume a caracterização da Teoria das Ideias de Platão a partir de seis conceitos: inteligibilidade; incorporeidade; imutabilidade; plenitude; perseidade; unidade. A Ideia só pode ser captada pela inteligência, uma vez que pertence a uma dimensão incorpórea e não pode ser percebida pelos sentidos do corpo, são verdadeiramente plenas e imunes a todo tipo de mudanças, são em se e por si e cada Ideia é una.
Porta-voz de uma filosofia espiritualista onde ele distingue claramente a realidade material (o mundo sensível) e uma outra realidade imaterial (o mundo das ideias), Platão acredita que este mundo que vivemos é apenas um pálido reflexo de um mundo de essências eternas e imutáveis. Enquanto o nosso corpo (que pertence a realidade material) é mortal e sujeito a inúmeras transformações, até a decomposição total no fenômeno da morte, a alma (que tem sua origem no mundo das ideias) é divina e imortal, não suscetível de decomposição e imperecível. Platão imortalizou de forma brilhante sua teoria filosófica usando uma metáfora – o mito da caverna – que é, talvez, a história mais conhecida de toda a filosofia ocidental. Para conhecer em detalhes esta história e como ela representa de forma incomparável a filosofia de Platão, acesse o link: O Mito da Caverna.
A teoria das Ideias é o eixo central, o núcleo do corpus platonicum, embora, como nos faz notar Irley Franco (2014), não existe em nenhum lugar nas obras de Platão a expressão “teoria das Ideias” e tal teoria deve ser entendida como uma doutrina que postula a existência de “formas” universais que tem uma existência independente dos objetos do mundo sensível. Em sua obra A República, as Ideias são qualificadas como perfeitas, imateriais, eternas, imutáveis, imóveis, invisíveis aos sentidos e perceptíveis somente pela inteligência (PLATÃO, 1993, 525c-533e). Na obra A República “[...] Sócrates sustenta a existência de uma região das coisas visíveis e de outra das coisas inteligíveis, a região das Ideias (Rep. VI , 509d- 510a)” (apud BENOIT, 1995, p. 80) e David Ross cita pelo menos três passagens desta obra em que a Teoria das Ideias recebe maior elaboração: “(1) a passagem sobre o Sol e a Idéia do Bem (504 e 7-509 c 4), (2) a passagem sobre a Linha Dividida (509 c 5-511 e 5), (3) a alegoria (símile) da Caverna (514 a 1-518 b 5) (1976, p. 39)”. Nesta obra
[...] já estão contidos os dogmas principais da chamada "Teoria das Ideias": as duas regiões gerais - a do sensível e a do inteligível - as suas subdivisões e finalmente a Ideia epékeina tes ousias, a idéia "além da ousia", a ideia de Bem como ideia das ideias que, da sua fixidez transcendente, emana a fundamentação ontológica de todos os seres inferiores (BENOIT, 1995, p. 81).
Já na obra intitulada Fédon as Ideias são apresentadas como sendo independentes dos entes sensíveis, eternas, imutáveis, inteligíveis e simples (indivisíveis) (PLATÃO, 1983, 80e, 92d, 100c).
No Fédon as Ideias tem um papel mais significante do que em qualquer dialogo anterior. São praticamente onipresentes no diálogo [...] A primeira passagem em que são mencionadas nos diz somente que as Ideias não podem ser conhecidas por meio de qualquer um dos sentidos, mas pelo pensamento puro (αὐτῆ καθ' αὑτὴν εἰλικρινεῖ τῇ διανοίᾳ) (ROSS, 1976, p. 25).
De modo geral, não apenas só é possível conhecer as Ideias pelo pensamento puro, como é necessário para tal fazer uso da dialética: “[...] a filosofia não é um conteúdo, mas um modo de abordar determinados conteúdos, e de fato os diálogos parecem não ter outro objetivo senão o de exemplificar o caminho que Platão considera apropriado para a atividade da filosofia: a dialética” (FRANCO, 2014, p. 38).
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Um exemplo claro de como Platão foi profundamente influenciado por Sócrates nós encontramos no próprio método utilizado por Platão para exercitar a filosofia através da dialética: aqui entendida em seu sentido originário de “arte do diálogo”. “O termo dialética deriva de diálogo, que foi o procedimento utilizado por Sócrates para transmitir, debater e discutir suas ideias” (LAZARINI, 2007, p. 51).
A dialética platônica procede da maiêutica socrática, a arte de interrogar e responder, como forma de articulação das ideias. Maiêutica em grego significa “parteira” e Sócrates usa a ideia da maiêutica (uma referência a sua mãe que era parteira) para explicar como era o seu método filosófico: o filósofo é uma espécie de “parteiro de ideias”; ele não ensina, mas orienta o seu interlocutor, através do diálogo, a descobrir por si mesmo a verdade a partir de noções cada vez mais elaboradas que vão sendo conduzidas através do pensamento. E esse método está invariavelmente ligado ao modo platônico de “fazer filosofia”.
O diálogo é uma espécie de refinamento em que a argumentação deve caminhar à procura da razão e da essência das coisas, partindo de noções sensíveis e incertas até alcançar as Ideias perfeitas e imutáveis.
[A dialética] tinha por finalidade conduzir paulatinamente o interlocutor à intuição imediata de uma essência, de uma verdade, ou seja, encontrar a essência material ou espiritual daquilo que se queira apreciar. Para que se obtivesse sucesso na investigação dever-se-ia discutir sucessivamente todos os conceitos afins para evitar confusão de idéias. Assim, dialogando, afastavam-se as impressões da linguagem, até se chegar ao sentido essencial daquilo que se discute. Platão, com maestria, conduzia o debatedor até o momento preciso em que a verdade se manifestava (NIELSEN NETO, 1985, p. 55).
A dialética platônica tem como ponto de partida o senso comum, a opinião, submetidos a um exame crítico. A Filosofia deve, por meio do diálogo, conduzir seu interlocutor a descobrir ele próprio a verdade. Esse método dialético visa expor a fragilidade das falsas opiniões e superar tais obstáculos, fazendo com que o interlocutor tenha consciência disso. A opinião não se dá conta de sua ignorância. Através do diálogo, a opinião, que se crê certa de si mesma, ao se expor se revela contraditória e inconsequente.
A essa concepção se liga o conceito de anamnese. A anamnese explica a possibilidade do conhecimento enquanto condiciona a sua possibilidade à presença de uma intuição originária do verdadeiro na alma. A anamnese, ou como também é conhecida, a doutrina da reminiscência, é utilizada por Platão para tentar dar conta da possibilidade do conhecimento. Para Platão, existe um conhecimento inato que a alma traz consigo desde o seu nascimento. Antes de encarnar (Platão era um filósofo que acreditava na reencarnação da alma como etapas necessárias ao seu aperfeiçoamento), a alma contempla as ideias eternas e imutáveis, a essência das coisas, mas essa visão contemplativa se acha obscurecida pelo fato de a alma estar encarnada. Através da anamnese é possível chegar a este conhecimento, já que a alma traz em si a intuição originária do conhecimento das Ideias. Este aspecto do pensamento de Platão está claramente esboçado em um de seus diálogos: o Ménom. O papel do filósofo é despertar esse conhecimento através da dialética ou da maiêutica socrática.
Há uma dialética ascendente, que vai libertar do sensível e ascende até a Ideia Suprema, e uma dialética descendente, que parte da Ideia Suprema e estabelece a posição que uma Ideia ocupa na estrutura hierárquica do mundo das Ideias. “A dialética consiste na captação, baseada na intuição intelectual, do mundo das Ideias, da sua estrutura e do lugar que cada Idéia ocupa em relação às outras Idéias nessa estrutura” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 150). Estes dois caminhos (dialética ascendente e descendente) estão ilustrados na Alegoria da Caverna. O movimento ascendente de libertação. O caminho de volta, descendente. Como movimento de libertação, a dialética “consiste num esforço individual, interior e nada agradável, porque exige o abandono de todas as crenças atuais, das falsas garantias de conforto e acomodação” (LAZARINI, 2007, p. 56).
A dialética é a técnica que liberta o homem dos sentidos e que, através da razão, o faz avançar em direção ao bem. Ela é um instrumento do conhecimento do bem que abre os olhos do espírito e lhe permite atingir a verdade, refutando opiniões mal fundadas, pondo-as em discussão, amparado pela inteligência e não pelos sentidos (LAZARINI, 2007, p. 53).
Na teoria de Platão, o filósofo é o dialético, aquele que é capaz “de alcançar as ideias supremas, dentre as quais a mais especial é a ideia do bem” (LAZARINI, 2007, p. 54).
Muito se tem escrito sobre a dialética e vários estudos e pesquisas já foram realizados sobre o tema, por isso, ao invés de aprofundar o tema aqui, vamos sugerir ao leitor uma extensa bibliografia de artigos, e-books, dissertações ou teses que tratam sobre o tema da dialética a partir de várias perspectivas, como por exemplo, o tema da dialética nas obras de Platão tal como Górgias (MUNIZ, 2003) o Banquete (FERNANDES, 2015; LAUX, 2007) Fédon e República (BRAGA, 1997; RACHID, 2008), a relação com a maiêutica socrática (FONTES, 2001; SILVA, 2011), a relação com a aprendizagem (PAVIANI, 2011), a relação com a metafísica (SOARES, 2005) além de artigos sobre a história e o conceito de dialética em geral (BARROS, 2014; ENDLER, 2011; FEITOSA, 1997).
A Filosofia é o discurso que tem a capacidade de superar as divergências das opiniões, tem um caráter legitimador e que pretende ser universal.
A possibilidade e a garantia dessa universalidade, seu critério de legitimidade e fundamento último, só pode ser a verdade, o conhecimento verdadeiro, o conhecimento de uma outra realidade que não apenas a sensível, material, mutável. Aqui se revela a influência do pensamento de Parmênides sobre Platão e se introduz a necessidade e a importância da metafísica. A teoria das formas ou ideias [eidos] de Platão vem precisamente cumprir este papel (MARCONDES, 2002, p. 53-54).
Referências Bibliográficas
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BERGSON, Henri. Cursos sobre a filosofia antiga. Tradução de Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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