A ética na pesquisa científica

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em mar. 2025

        De acordo com o filósofo grego Aristóteles, todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer. Isto significa que a todo momento e a cada instantes estamos de alguma procurando entender a realidade ao nosso redor. Para atingir esse objetivo, os homens desenvolveram diferentes tipos de conhecimento, como o conhecimento filosófico e o conhecimento científico. E até mesmo o conhecimento religioso tem como objetivo explicar a realidade na qual estamos inseridos, por vezes recorrendo ao conhecimento de algo que está além da nossa realidade natural: o sobrenatural. O conhecimento científico, portanto, surge como uma forma de tentar explicar os fenômenos da natureza, as leis que regem o universo. E temos não apenas as ciências da natureza, mas também as ciências humanas e sociais que, como o próprio nome sugere, tem como objeto de estudo o próprio homem e as sociedades nas quais estamos inseridos.

        Para chegar a determinados tipos de conhecimento, é comum recorrer ao uso de animais (a ética e o uso de animais têm a ver com os procedimentos experimentais que envolvem o seu uso em pesquisas de laboratório) e até seres humanos, tendo como objetivo ampliar o nosso entendimento sobre determinadas questões sobre a realidade. Assim, espera-se contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas a partir do entendimento dos determinantes sociais do processo saúde-doença.

        Desta forma, podemos entender o tema da ética na pesquisa científica como um conjunto de princípios e normas que orientam a atividade científica de modo a evitar abusos e garantir a integridade dos métodos utilizados e dos participantes da pesquisa. A função principal da ética na pesquisa é proteger os participantes que se submetem voluntariamente aos riscos da pesquisa.

        O avanço científico e tecnológico no mundo incitou a necessidade de se refletir sobre os limites da ciência, mesmo que esse progresso vise o desenvolvimento de novas tecnologias de saúde. Diante desse contexto, surgiram reflexões sobre a importância de se definir e incorporar princípios e diretrizes éticas como parâmetro para a implementação de pesquisas envolvendo seres humanos. “O avanço da ciência tem trazido conquistas importantes para o bem-estar das pessoas, porém, esses ganhos em qualidade de vida não podem ser alcançados à custa da dignidade dos participantes de pesquisa e da integridade da comunidade científica” (Kottow, 2008, p. 17).

        É fundamental reconhecer a importância da liberdade de investigação científica e dos benefícios decorrentes dos progressos da ciência e da tecnologia; ao mesmo tempo, é necessário enfatizar que essa investigação e os consequentes progressos estejam em conformidade com os princípios éticos e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

        O número de descobertas científicas nos últimos 50 anos sofreu um aumento significativo, em áreas como a saúde (clonagem, transplantes de órgãos, células tronco etc.) e a tecnologia, por exemplo. Não é de se admirar também a pertinência e a crescente discussão ética.

        Diante das diferentes questões que envolvem o diálogo entre a ética e a pesquisa científica podemos citar alguns desafios:

  • Plágio (com o advento da internet, proliferaram-se os plágios e as cópias de textos, sem a citação da fonte de busca, desrespeitando dessa forma, os autores);
  • abuso de autoridade;
  • Conflitos de interesse;
  • Falsificação ou manipulação de dados (a fraude científica pode ocorrer em função da grande quantidade de dinheiro envolvida em pesquisa);
  • Falta de rigor científico;
  • Descumprimento de exigências legislativas e regulamentares;
  • Uso de populações vulneráveis para ensaios clínicos;
  • Biopirataria.

 

        As questões que permeiam o desenvolvimento das pesquisas do ponto de vista da ética implicam em questões filosóficas que exigem a nossa reflexão e o debate em torno das mesmas.

        As pesquisas envolvendo seres humanos e animais não humanos suscitam discussões como: as pesquisas científicas devem realizar suas investigações levando em considerações os direitos humanos e dos animais; discussão sobre a delimitação de princípios éticos universais para serem utilizados nesse cenário; na pesquisa com seres humanos há a exigência de que as pessoas devem estar informadas sobre os riscos e benefícios dos experimentos, dando o seu livre consentimento; pesquisas envolvendo seres humanos evidenciaram a necessidade de se recorrer a um dos imperativos categóricos kantianos, segundo o qual o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo, jamais como meio.

        Em 1750, o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau recebeu um prêmio por ter participado de um concurso da Academia de Dijon. Os candidatos do concurso deveriam responder à pergunta: Se o progresso das ciências e das artes tinha contribuído para corromper ou aprimorar os costumes. Para participar do concurso, Rousseau escreveu o ensaio, Discurso sobre as ciências e as artes, e obteve o primeiro lugar. Rousseau argumenta que as ciências e as artes, ao invés de fazer progredir o espírito humano, corromperam nossas almas. O principal argumento, ou o ponto em comum que há entre os diferentes argumentos apresentados por Rousseau é, como afirma Medeiros (2008, p. 27): “o distanciamento do Ser Humano da Virtude promovido pelas ciências e pelas artes, e a consequente promoção de um Parecer Ser”.  As ciências e as artes promovem os vícios (luxo, poder, corrupção do gosto) muito mais do que as virtudes. Isto não significa dizer que as ciências e as artes sejam incompatíveis com a virtude. Elas podem, inclusive, conduzir a esta. O Saber precisa ser iluminado pela Virtude pois, apartado da Virtude, conduz os homens às trevas. Esta questão parece bem atual, se levarmos em consideração os avanços mais recentes da tecnologia e da inteligência artificial e da mesma forma poderíamos então adaptar a questão para os dias atuais da seguinte forma: o progresso das ciências, do uso da tecnologia e da inteligência artificial tem contribuído para corromper ou aprimorar os costumes?

 

Referências

KOTTOW, M. História da ética em pesquisa com seres humanos. R. Eletr. De Com. Inf. Inov. Saúde - RECIIS, 2(Sup.1), 2008. Acesso em: 06 mar. 2025.

MEDEIROS, Adriano Melo. Princípios éticos da pedagogia rousseauniana. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.

 

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