A Ética em Aristóteles

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em 2015

atualizado em fev. 2018

           A filosofia aristotélica constitui uma visão sistemática e integrada do conhecimento, com a valorização da ciência empírica, da ética e da política. Aristóteles divide o conhecimento da seguinte forma: prático (práxis), produtivo (poiesis) e teórico. O conhecimento prático abrange principalmente o estudo da ética e da política. A ética é um saber prático e pressupõe três elementos fundamentais da filosofia aristotélica: o uso correto da razão, a boa conduta (eupraxia) e a felicidade (eudaimonia).

            Aristóteles desenvolveu uma reflexão ética perguntando-se sobre o fim último do ser humano. Para o quê tendemos? E respondeu: para a felicidade. Todos nós buscamos a felicidade. E o que Aristóteles entende por felicidade? Uma atividade conforme a razão – realização do que há de mais característico do ser humano – e a virtude (ARISTÓTELES, 1987, Livro I). “A felicidade é, para Aristóteles, a atividade da alma segundo sua virtude (excelência). E tal virtude, ou excelência, reside na sua atividade racional” (FERRAZ, 2014, p. 43).

 

Disponível em: Blog PhilosySofia (Acessado em 29/03/2016)

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            Para Aristóteles a felicidade está ligada à atividade humana, sendo um tipo de atividade em conformidade com a “reta razão” e com a virtude (areté). Isso quer dizer que a vida virtuosa é racional. A felicidade implica a educação da vontade em conformidade com os princípios racionais da moderação e, finalmente, está fundamentalmente ligada à política, uma vez que o homem é definido como animal político e sua conduta ética tem expressão na pólis e a partir dela é julgada. É na sociedade – na pólis – que os homens podem alcançar o bem supremo: a felicidade, daí porque, em Aristóteles, ética e política são inseparáveis. “A política que também é uma ciência prática não se dissocia da ética, elas apenas se diferenciam pelo fato de a primeira apresentar uma dimensão social, coletiva, enquanto a outra se restringe ao particular, individual” (AMARAL; SILVA; GOMES, 2012, p. 12).

[...] razão, ética e política são elementos inseparáveis, constitutivos do homem em Aristóteles. Por um lado, a característica de ser racional o conduz à vida política. A vida política, por sua vez, norteará o bem viver ou o viver ético deste homem, que terá como expressão mais própria desta boa vida a própria vida racional. Conclui-se, assim, um círculo virtuoso que para existir não pode prescindir de nenhum destes três elementos que lhe são constitutivos (PANSARELLI, 2009, p. 14).

            A importância dada por Aristóteles à vontade racional (a vontade guiada pela razão como elemento fundamental da vida ética), à deliberação e à escolha o levou a considerar uma virtude como condição de todas as outras e presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. O prudente é aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual a atitude e qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que é bom para si e para os outros.

        Também devemos a Aristóteles outras contribuições importantes no campo da reflexão sobre a ética e a moral, principalmente a partir de sua obra Ética a Nicômaco, onde o mesmo procurou refletir sobre as virtudes que constituiriam a arete (a virtude ou excelência ética) e a moralidade grega. Com sua bem conhecida teoria da virtude como justa medida, Aristóteles distinguiu vícios e virtudes pelo critério do excesso, da falta e da moderação. É no Livro II da Ética a Nicômaco que Aristóteles apresenta sua conhecida doutrina da virtude como um meio, da “doutrina da mediedade (mesotês), ao deixar evidente que a virtude é uma espécie de mediedade, na medida em que visa um meio, meio este entre o excesso e a falta” (HOBUSS, 2015, p. 38). Eis um pequeno esboço que encontramos das virtudes e vícios correlatos em sua obra:

Vício por falta

Virtude

(meio-termo)

Vício por excesso

Covardia

Coragem

Temeridade

Insensibilidade

Temperança

(moderação)

Intemperança

Avareza

Liberalidade

Prodigalidade

Mesquinez

Magnificência

Vulgaridade

Pusilanimidade

Magnanimidade

Vaidade

Apatia

(pacatez)

Calma (mansidão)

Irascibilidade

(fúria)

Jactância

Veracidade

Falsa modéstia

Rusticidade

Espirituosidade

Zombaria

Impudência

Modéstia

Acanhamento

veja também um quadro das virtudes e vícios em Slideplayer, slide 4

            A partir do quadro acima, tomemos de forma suscinta algumas virtudes como exemplo.

            A virtude da coragem não significa nada temer. Enquanto o covarde é aquele que tudo teme, o corajoso age com equilíbrio, de acordo com a prudência e a moderação (sophrosine). Desta forma, a coragem é uma justa medida entre a covardia e a temeridade (destemor).

            A covardia se caracteriza pelo medo excessivo e a temeridade pela ausência de medo. Tanto em um caso como no outro, ter medo de tudo ou não ter medo de nada, pode ser prejudicial a ação. Esta questão parece bastante relevante se levarmos em consideração que a Grécia Antiga está envolta em várias guerras e o discípulo mais destacado de Aristóteles na política, Alexandre (o Grande), era um conquistador. Imagine, portanto, um guerreiro em um campo de batalha. Se se trata de um covarde, jamais conseguirá vitória alguma. Por outro lado, o excesso de confiança na vitória também pode colocar tudo a perder, uma vez que aquele que não teme seu adversário pode causar a sua própria ruína precisamente por achar que a vitória já está ganha. A coragem, portanto, significa saber equilibrar o medo. Como pondera Hobuss (2015, p. 49),

Na medida em que é um homem, possuindo os temores que são próprios deste, o corajoso saberá a postura a tomar nas situações devidas, situações que ele afrontará “como convém, como prescreve a razão, em vista do nobre, pois este é o fim ao qual tende a virtude” [ARISTÓTELES, 1942/1984, 1115b 12-13. cf. 1120a 23-24]. É isto que define de forma peremptória o corajoso, pois este teme o que deve ser temido, da maneira que deve, na ocasião (nas circunstâncias) que deve [...]

            E nas palavras do próprio Aristóteles:

Assim, aquele que permanece firme e teme as coisas que deve, por um fim correto, da maneira que convém e no momento oportuno, ou que se mostra confiante sob as mesmas condições, é um homem corajoso, pois as ações e emoções do corajoso estão de acordo com o que é meritório e segue o que a razão prescreve. O fim de toda atividade é o que está conforme com as disposições de caráter das quais ele procede, e para o corajoso a coragem é nobre. Tal será, pois, também o fim que persegue o corajoso, já que uma coisa sempre se define por seu fim; é, por conseguinte, porque isto é nobre que o corajoso enfrenta os perigos e age conforme a coragem (ARISTÓTELES, 1942/1984, 1115b 17-24)

            A coragem é uma virtude necessária para que se possa ter uma postura nobre diante dos maiores perigos e até mesmo daqueles inevitáveis, como é o caso da morte. O medo da morte é algo que deve ser suportado de modo impassível pelo corajoso, diante da dor e do sofrimento que a acompanha.

            A temperança (sophrosine) é uma virtude relacionada com os prazeres do corpo, principalmente aqueles ligados ao gosto (o comer e o beber) e ao sexo. Tanto a alimentação quanto o sexo são algo absolutamente necessários a vida humana, mas a forma como lidamos com o comer, o beber e o sexo podem ser exagerados ou insuficientes.

O temperante, então, é aquele homem que está numa mediedade entre dois vícios, entre o excesso e a falta, sendo o intemperante o que carrega o estigma do excesso e o “insensível”, na falta de um nome específico para caracterizá-lo, seria aquele que aproveita dos prazeres menos do que seria conveniente ou correto (HOBUSS, 2015, p. 55)

            O temperante age de acordo com a razão e não significa dizer que não tenha apetite ou desejo pelas coisas, mas “o homem temperante apetece as coisas que deve, da maneira e na ocasião devidas; e isso é o que prescreve o princípio racional” (ARISTÓTELES, 1942/1984, 1119b 15-18)

          A temperança (qualidade ou virtude de quem é moderado, comedido), o equilíbrio entre a intemperança e insensibilidade (anaisthesia): “a temperança será a meio termo entre a dissolução do devasso e do libertino e a insensibilidade total aos pra­zeres da gula e da carne, uma insensibilidade que Aris­tóteles não aprova” (DONINI; FERRARI, 2012, p. 256).

             A liberalidade (qualidade ou condição daquele que é liberal, no sentido de generoso) uma justa media entre a prodigalidade (dar em grande quantidade, gastar em profusão) e a avareza. Todas essas virtudes devem ser praticadas pelo filósofo e pelos indivíduos de uma forma geral.

 

A Ética nas obras de Aristóteles

            Aristóteles trata da moral em três obras: a Ética a Nicômaco, provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada; a Ética a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo; e a Grande Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda.

Des­tas três obras, a Grande ética (Magna Moralia) não é autêntica e deve ter sido composta em época de pouco posterior à morte de Aristóteles. Pelo contrário, são autênticas a Ética a Eudemo, chamada assim por ter sido editor da obra o discípulo de Aristóteles, Eude­mo de Rodes; e a Ética a Nicómaco (provavelmente publicada pelo filho de Aristóteles, Nicómaco), que é geralmente considerada a expressão mais madura do pensamento moral do filósofo (DONINI; FERRARI, 2012, p. 248).

            Consoante sua doutrina metafísica fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por consequência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e sendo disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária a virtude, e a esta é necessária a razão. A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar.

[...] ao início daquela que é provavelmente sua mais importante obra dedicada à filosofia prática, “Ética a Nicômaco”, Aristóteles afirma que o objeto de todo “procedimento prático e toda a decisão” visam a um certo bem40. Tal bem seria o “bem supremo” do homem, isto é, seu “fim derradeiro”, aquele em torno do qual todos os demais, por assim dizer, “orbitariam”. Tal fim, como Aristóteles no decorrer da obra esclarecerá, será a eudaimonia (felicidade) (FERRAZ, 2014, p. 45).

            Nesta obra fica claro como a felicidade é o telos (o fim) da filosofia prática aristotélica e que pressupõe uma ação virtuosa e racional. É também nesta obra que aparece a clássica definição aristotélica da virtude como uma justa medida (ARISTÓTELES, 1987, Livro II). “A virtude irá consistir no “meio termo” (ou na “justa medida”) entre dois extremos. Todas as virtudes éticas são um “meio termo” entre dois extremos” (FERRAZ, 2014, p. 50). Ou nas palavras do próprio Aristóteles:

A virtude é uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa medianía, isto é, a medianía relativa a nós, que é determinada por um principio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. É um meio termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta, pois nos vícios ou há falta ou há excesso daquilo que é conveniente no que concerne às ações e às paixões, ao passo que a virtude encontra e escolhe o meio-termo” (1987, Livro II, 1107 a 1-5)

            O que faz de Aristóteles um herdeiro legítimo da tradição pitagórica e platônica segundo a qual a sabedoria pode ser expressa na máxima: “nada em excesso”. E é nesta obra que Aristóteles propor uma classificação em especial de pelo menos doze virtudes (tal como vimos no quadro mais acima), a saber: coragem, temperança, liberalidade, magnificência, magnanimidade, ambição apropriada, paciência, veracidade, sagacidade, amabilidade, modéstia e justa indignação (ARISTÓTELES, 1987, principalmente Livros III e IV). Tanto na Ética a Nicômaco quanto na Ética a Eudemo, encontramos um exame das virtudes “tais como a coragem, a tempe­rança, a liberalidade, a magnanimidade, a justiça; ou as disposições e fenómenos da vida moral ligadas de certo modo à virtude ética como a amizade” (DONINI; FERRARI, 2012, p. 252).

 

Referências Bibliográficas

AMARAL, Roberto A. P. do; SILVA, Deyse Amorim; GOMES, Luciene Izabel. A eudaimonía aristotélica: a felicidade como fim ético. Revista Vozes dos Vales, n. 1, ano1, p. 1-20, mai., 2012. Acesso em 02/2015.

ARISTÓTELES. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford: Oxford Classical Texts, 1942.

____. Ética a Nicômaco. In:____. Metafísica (Livro I e II); Ética a Nicômaco; Poética. seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W.D. Ross. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 44-236. Vol. 2 (Coleção Os Pensadores)

____. Ética a Nicômaco. Tradução de L. Vallandro e G. Bornhein da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo, Abril, 1987. (Coleção Os Pensadores)

DONINI, Pierluigi; FERRARI, Franco. O exercício da razão no mundo clássico: perfil de filosofia antiga. São Paulo: Annablume Clássica, 2012. (Coleção Archai: as origens do pensamento ocidental)

FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/03/2015.

HOBUSS, João Francisco do N. Elementos de filosofia antiga: estudos sobre a filosofia prática de Aristóteles [recurso eletrônico]. Pelotas: NEPFIL online, 2015.

PANSARELLI, Daniel. Para uma história da relação ética-política. Revista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 9-24, jul. /dez. 2009. Acessado em 12/02/2015.

 

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