A Educação Ambiental No Século XXI – Como isso pode se refletir na área dos recursos hídricos
por Roosevelt S. Fernandes
postado em mai. 2017
No seu sentido mais amplo, educação significa o meio formal (ação do Estado) e informal (ação difusa) em que os hábitos, saberes, costumes, maneiras de interagir com o ambiente e valores de uma comunidade, são transferidos de uma geração para a seguinte.
Por sua vez, a educação ambiental é uma dimensão da educação, atividade intencional que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar a prática social e a ética ambiental.
Tais conceitos servem como pano de fundo para uma imprescindível reflexão, onde o princípio do desenvolvimento sustentável não é mais o caminho único para enfrentar as diferentes facetas da temática ambiental. Ou seja, já passamos da fase do “desenvolvimento” sustentável; a hora agora é da “produção e consumo sustentáveis”.
Para isso as ações de governo e as pressões da sociedade devem ter a adequada, imediata e responsável resposta por parte do setor produtivo, através de práticas sustentáveis, sem a qual não há como levar o Brasil para padrões mais sustentáveis de produção e consumo.
Por outro lado, quando analisamos a posição das maiores economias mundiais, observa-se uma nítida preocupação com a crise financeira, porém, com um discurso muitas vezes não definitivo em relação à problemática ambiental. Um bom exemplo disso é a discussão das Mudanças Climáticas nas gestões de Obama e Trump.
Porém, entre o contexto limite das visões dos pesquisadores e dos políticos, persiste uma análise de idêntica importância, ainda não suficientemente abordada, voltada a saber como a sociedade está preparada para, depois de devidamente informada, pressionar por soluções proteladas, aceitar as consequências da adoção das mesmas e, sobretudo, como nossos futuros gestores, no horizonte do curto e médio prazo, estão preparados não apenas para implementar as propostas conhecidas, mas gerar novas e efetivas respostas para o cenário que a sociedade deverá enfrentar, já que o tempo, neste novo contexto, é uma variável progressivamente mais crítica.
Se agregarmos a este cenário os resultados do estudo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2006), com pesquisa realizada em 57 países em diferentes continentes, mostra que 37 % dos alunos brasileiros com 15 anos de idade apresentam um nível mínimo de conhecimento ambiental, ficando abaixo da avaliação do Brasil apenas países como Catar, Quirguistão e Azerbaijão. Portanto, ficam visíveis que nossos jovens estão em posição carente de conhecimento mínimo necessário para lidar com os desafios ambientais. Ou seja, a pesquisa deixa claro, inclusive no Brasil, que os estudantes estão preocupados e conscientizados de que é preciso agir, o que é um ponto positivo, entretanto, não evidenciam condições plenas de explicitar e assumir seu papel no processo da ação desejada. O estudo infere, entre outros pontos, que os estudantes falam muito sobre temas ligados à área ambiental, mas parecem saber pouco a respeito do assunto, apesar das múltiplas, com alocação significativa de recursos financeiros, investidas, do desenvolvimento e implantação de programas de educação ambiental. O problema está no reduzido compromisso – da parte de quem estrutura os programas, bem como dos gestores públicos que os aprovam – de verificação da eficácia de tais iniciativas.
Na visão da educação ambiental do século XX, a eficácia de tais iniciativas era avaliada, na maioria dos casos, pelo montante do investimento realizado, número de participantes envolvidos, cartilhas distribuídas, entre outros, sem a necessária e posterior avaliação da eficácia da iniciativa frente à verificação se o programa gerou condições de alteração positiva no perfil de percepção ambiental e social do segmento submetido ao programa.
Tendo estes aspectos em foco, em 2003 foi criado o “Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental (Nepa)”, voltado especificamente a avaliar o nível de percepção ambiental e social de segmentos formadores de opinião, priorizando as áreas educacional e ambiental. Desde então o Nepa (hoje, Nepas, após inserir a variável social no foco da sua análise) vem consolidando um significativo banco de dados, gerado a partir de pesquisas desenvolvidas com estudantes e professores dos ensinos fundamental, médio, médio-técnico e superior e segmentos sociais representativos da sociedade, assegurando o conhecimento efetivo e quantificado do perfil de cidadania ambiental e social de tais segmentos.
Como decorrência da análise deste banco de dados, em 2006 o Nepas fez a proposição da criação do Enade Ambiental, não compulsório, portanto de iniciativa das próprias instituições de ensino superior, voltado a identificar e quantificar as lacunas do conhecimento ambiental de estudantes ingressantes e concluintes. O objetivo da proposta era propiciar aos gestores educacionais e aos gestores públicos informações que pudessem dar base à definição de ações preventivas e corretivas que assegurassem um mínimo nível de conhecimento ambiental, com os recém-formados deveriam chegar ao mercado de trabalho.
Tudo isso levou o Nepas a caracterizar a necessidade de uma reavaliação profunda e retrospectiva da educação ambiental vivenciada, no Brasil, no século XX. Ou seja, ter em conta a perspectiva sobre o que deverá ser definido / incorporado como novos paradigmas para a educação ambiental do Século XXI.
Não que isso seja entendido como uma identificação de erros, dado que na realidade não erramos na forma como até então vínhamos encaminhando o processo de educação ambiental, mas sim (melhoria contínua) de reconhecer e assumir que posturas até então aceitas como válidas precisam passar por uma profunda reflexão, projetando o que deverá ser a educação ambiental no Século XXI.
Pensar, por exemplo, em estruturar programas de educação ambiental sem um diagnóstico prévio da percepção ambiental e social do segmento a ser atendido por tais iniciativas, bem como não dispor de formas de pós-avaliação da eficácia dos resultados de tais programas, não poderá mais constar das premissas para as novas intervenções.
Ou seja, não basta “oferecer educação ambiental” (premissa que estimulou muito a EA no século XX), mas há que se ter certeza de que estamos realmente “mudando a percepção ambiental e social da sociedade” com conscientização, exame crítico e desenvolvimento da cidadania.
Um exemplo concreto dessa mudança de paradigmas pode ser visto através da Resolução 001/2016 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Estado do Espírito Santo, que inseriu os estudos prévios de avaliação da percepção ambiental e social como base para a estruturação de programas de educação ambiental e de comunicação social, a serem apresentados e executados em cumprimento as condicionantes das licenças ambientais emitidas pelos órgãos ambientais.
A referida Resolução, no seu preâmbulo de considerações, enfatiza que além da experiência da consultoria responsável pela proposição do Programa de Educação Ambiental e de Comunicação Social também a sociedade, para qual o programa está sendo desenvolvido, deverá ser previamente ouvida de modo a explicitar como percebe os contextos ambiental e social da região onde ela está inserida, e que tais posições devam ser levadas em consideração quando da estruturação dos programas.
Prossegue considerando a necessidade que as informações colhidas junto à sociedade devem ser colocadas em discussão pública de modo a promover a interação consultoria / sociedade em ação que antecipe a posterior estruturação do programa de EA e de CS.
Define ainda a necessidade da proposição de um instrumento prévio que permita a avaliação da percepção ambiental e social da comunidade envolvida de modo que a consultoria possa usar tais informações quando da proposição / estruturação dos programas.
Complementa considerando que os estudos prévios de avaliação da percepção ambiental e social são de fundamental importância para compreender melhor as interrelações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas.
Explicita o conceito de Percepção Ambiental e Social, definindo como sendo uma tomada de consciência do ambiente e do contexto social pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente que se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo. Infere que cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações sobre o ambiente em que vive. As respostas ou manifestações daí decorrentes são resultado das percepções, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada pessoa. Em síntese, o indivíduo é sensibilizado e informado pela educação ambiental, mas reage no dia-a-dia através de seu nível de percepção ambiental e social.
Conceitua ainda que Programa de Educação Ambiental é o conjunto de ações estruturadas que possibilita aos indivíduos tornarem-se sujeitos sociais capazes de compreender e agir no meio ambiente em sua totalidade, construído de forma participativa, integrada, considerando a realidade socioambiental diagnosticada previamente e que programa de comunicação Social é o conjunto de ações estruturadas, no âmbito do licenciamento ambiental, que visa auxiliar a comunidade a entender a atividade a ser licenciada ou em operação, bem como os impactos negativos e positivos gerados, e as suas interações com a comunidade do entorno.
A Resolução 001 / 2016 do CONSEMA, em seu Art. 5° estabelece que os diagnósticos prévios de percepção ambiental e social passam a ser parte integrante do termo de referência do meio socioeconômico apresentado pelo empreendedor para a elaboração do estudo de impacto ambiental – EIA e relatório de impacto ambiental – RIMA, no que concerne a elaboração dos programas de educação ambiental e de comunicação social.
Vai mais longe quando, através do seu Art. 6° determina que os dados coletados através da realização dos diagnósticos prévios de percepção ambiental e social devem ser tabulados por meio de metodologia própria que permita a realização de recortes estatísticos que venham a ser necessários ao aprimoramento das análises, sendo que os dados tabulados devem ser colocados ao conhecimento da comunidade por meio de um evento público, convocado pelo órgão ambiental, especificamente convocado com esta finalidade, onde a consultoria responsável pela estruturação dos programas de educação ambiental e o de comunicação social possa debater com a comunidade os dados das pesquisas conduzidas.
Enfatiza ainda – fato de significativa importância – que os programas de EA e CS deverão explicitar a correlação entre as ações propostas nos referidos programas e os resultados obtidos dos diagnósticos prévios elaborados junto à sociedade envolvida.
As exigências definidas pela Resolução se estendem pelo Art. 8º que explicita que o programa de educação ambiental e o de comunicação social deverão conter como anexo, no mínimo, as seguintes informações: I – instrumentos usados na coleta das informações; II – estruturação dos grupos da sociedade que foram pesquisados, III – total de instrumentos aplicados, IV – tabulação dos resultados e respectivos recortes utilizados, V – correlação entre as informações tabuladas e os programas propostos; VI – estruturação dos Programas e a ata da reunião de apresentação dos dados tabulados à comunidade pesquisada.
Para concluir tem-se, via Art. 9º, que caberá ao agente executor a definição de um plano básico de amostragem dos diferentes segmentos da sociedade – lideranças comunitárias, professores, comunidade, comunidades tradicionais, entre outros – aos quais deverão ser aplicados os instrumentos de avaliação prévia do perfil de percepção ambiental e social. Este programa deve especificar, além dos segmentos a serem amostrados, os quantitativos envolvidos em cada um deles. Do ponto de vista estatístico, a pesquisa de coleta de informações será do tipo indicadora de tendência.
Em exigência final, via Art. 10, é definido que os resultados dos diagnósticos prévios de percepção ambiental e social deverão ser encaminhados ao órgão licenciador devidamente tabulados e explicitando como as informações quantificadas junto aos diferentes segmentos pesquisados foram incorporadas quando da estruturação dos programas de educação ambiental e o de comunicação social, bem como a explicitação dos recortes estatísticos que forem produzidos a partir do banco de dados original das percepções ambiental e social.
Fica visível a partir do detalhamento dos itens explicitados na Resolução CONSEMA – ES (001 / 2016) que há uma profunda mudança de paradigmas entre o que se fazia na EA do século XX e o que precisamos no século XXI.
Como consequência direta e imediata, fica visível o potencial do instrumento regulamentado na Resolução e a estruturação de e/ou a avaliação de Programas de Bacias Hidrográficas, definidos pelas políticas nacional e estaduais de recursos hídricos. Tendo esta premissa como pano de fundo, apresentamos a todos os comitês de bacias do estado do ES, uma proposta específica voltada a tal objetivo.
Síntese da proposta colocada para reflexão : Como podemos ir além dos comitês de bacias para ampliar a participação da sociedade na discussão dos recurso hídricos ?
Não resta nenhuma dúvida que os comitês são os fóruns específicos (legalmente constituídos) onde a sociedade se faz presente (através de entidades eleitas) para discutir e encaminhar posições sobre o uso econômico e social da água.
Entretanto, a nosso ver, os comitês deveriam estender uma consulta (além dos mesmos) para assegurar conhecer como a totalidade da sociedade da bacia hidrográfica “percebe” os problemas hídricos da região, bem a própria ação dos comitês e, a partir daí, incorporar este conhecimento às discussões realizadas no âmbito dos comitês.
Para a realização deste tipo de consulta do ponto de vista normativo (no estado do ES) já contamos com um instrumento para tal, ou seja, a realização de estudos prévios de avaliação da percepção ambiental e social da sociedade.
Nossa intenção ao propor inicialmente uma reflexão aos comitês estaduais de bacias hidrográficas foi de, em estágio seguinte, levar este tipo de discussão ao plenário do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH – ES).
Com este artigo estamos estendendo a reflexão a todos os comitês estaduais e federais de bacias hidrográficas de modo que através de uma ampla discussão o uso do instrumento definida pelo CONSEMA – ES possa ser levado a outras regiões do Brasil.
Ciência Política → Políticas Públicas → Políticas Públicas de Meio Ambiente → Educação Ambiental → A Educação Ambiental No Século XXI – Como isso pode se refletir na área dos recursos hídricos
Este texto foi publicado originalmente através do Portal do Saneamento Básico.
sobre o autor Roosevelt S. Fernandes
Engenheiro químico, com mestrado em engenharia de produção pela COPPE / UFRJ e especialização em engenharia ambiental pela Nippon Steel (Japão). Membro titular do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) e membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) do Estado do Espírito Santo, bem como idealizador do Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental e Social (Nepas), sem fins lucrativos, cujas pesquisas podem ser acessadas em www.nepas.com.br ou por roosevelt@ebrnet.com.br .