UMA GRANDE MULHER...

13/09/2023 22:23

            Alma amiga, jamais consegui entender o que faz as pessoas considerarem as mulheres inferiores aos homens. Para mim, essa é uma mera questão de sexo, que nada tem com a competência de ninguém.

            Isso me faz lembrar de uma resposta de Leila Pereira, quando consultada sobre o que achava de ser a primeira presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras: “— Essa não é uma questão de sexo e sim de competência” - disse ela.

            Empresária bem sucedida, Leila comanda o clube desde o ano passado, com grande sucesso, sendo sua quadragésima presidente e obtendo mais de 90% de votos em sua eleição, com prazo de três anos de duração.

            Conheci outra mulher extraordinária. Nascida em Tombos, Minas Gerais, foi a mais velha de sete filhos do casal mineiro que os gerou. E também a mais bonita. Muito simples e modesta, costumava brincar com seus também sete filhos sobre a fala de um seu primo que considerava abobalhado: “— A Cely, com 17 anos, teve 17 namorados”.

            Também pudera! Louríssima, olhos azuis, baixinha, mas bem provida de corpo, não havia rapaz em Tombos que não se apaixonasse por ela, quando a via. Entretanto, ao conhecer Sebastião, jovem ainda, mas 13 anos mais velho do que ela, trabalhador da roça, alto à época nos seus 1,80m, não teve dúvida. “— É com esse que eu me vou casar”, disse a seu pai, que não gostou muito da ideia, mas teve que se conformar com a decisão da filha.

            Anos mais tarde, ela diria para um dos seus filhos mais velhos: — Se fosse preciso, eu moraria com seu pai até debaixo da ponte.

            Sebastião ficou um tempo nos trabalhos do campo, mas com a família aumentando, resolveu tentar a vida noutros lugares. Primeiro, foi ao Rio de Janeiro, onde nasceu o terceiro filho. Menos de dois anos depois, voltou a Minas Gerais. Ali tiveram o quarto filho. Um ano mais tarde, tentou a vida no Espírito Santo, onde trabalhou para um primo, que tinha um sítio lá. Depois, resolveu voltar definitivamente para o Rio de Janeiro, onde ajudou a construir alguns “arranha-céus”, como costumava dizer. Mas o serviço de pintor e ajudante de pedreiro tornou-se escasso na antiga Capital do Brasil, e o casal, agora com sete filhos, pois ali nasceram dois gêmeos, começou a ter problemas financeiros e de moradia. Sebastião vivia de “biscates”, o serviço não aparecia, até que um primo, dono de loja de material elétrico, o contratou para o serviço de vigia noturno da loja.

            Esse foi o último emprego do esposo de Cely. Como ele já não gozava boa saúde, por sofrer de asma, o trabalho noturno agravou o estado de seu corpo e, após contrair uma pneumonia grave, Sebastião faleceu.

            O marido morreu aos 53 anos, mas parecia ter cerca de 70. Seu corpo, macérrimo, envelhecera de tal modo que ele costumava dizer para os filhos:

            “— Quando eu era novo, colocava dois sacos de cimento de 40 quilos cada um nas costas e carregava caminhão para o transporte destinado a obras no centro da cidade. Hoje, não aguento levantar esta lata d’água de cinco litros. E mostrava a latinha quadrada para os filhos. Na época, estavam morando num barracão de madeira que, quando ventava ou chovia, ameaçava cair sobre a família.

            Os gêmeos estavam com três anos. A filha mais velha, com 16 anos de idade, ajudava a mãe a cuidar da casa e dos irmãos. Samuel, o primo generoso contratou o irmão mais velho, que só tinha 13 anos, assim como cada um dos filhos de Cely ao completarem essa idade.

            Ao ver o marido morto na cama, a esposa desceu o morro gritando: “— Deus não existe!”, pois ela ficara com sete filhos e 40 anos, mas logo conformou-se e, com a ajuda de cada filho e com renúncia total à felicidade ao lado doutro companheiro, viveu até os 89 anos.

            Aquela linda mulher jamais deixou que ninguém tirasse qualquer dos seus filhos de sob sua saia. Trabalhava como costureira, embora as encomendas fossem raras, no lugar pobre onde residia, ao pé da pedra da Igreja da Penha; carregava água na bica abaixo do morro onde residiu por mais cerca de dez anos... Um sobrinho do esposo e outros homens bons, como o sogro do Samuel, construíram no local casinha de tijolos resistente para abrigá-la com os órfãos.

            O marido falecido deixou como pensão um salário mínimo, com o qual Cely mantinha a alimentação e vestuário dos filhos, acrescido dos trabalhos que realizava e da ajuda do salário do filho mais velho. Nesse tempo, sem jamais deixar sua religião católica, ia à igreja evangélica, em busca de alimento para os filhos, consultava mãe de santo e recebia em sua casa médiuns umbandistas, além da cunhada, excelente médium que seguia o Candomblé.

            Foi um dos caboclos incorporado no médium chamado Roberto que a aconselhou a vender seu barraco e ir morar em local melhor, na Penha, ainda que precisasse pagar aluguel. Nessa época, todos os filhos contribuíam com as despesas de casa.

            Perto do fim, deixo à sua reflexão, alma amiga, esta história que já foi narrada antes, mas que serve como exemplo a muitas jovens de 40 anos dos dias atuais. O Deus que, em momento de desespero de Cely, ela julgou não existir, deu-lhe forças e ajuda espiritual até seus 89 anos de idade, para que ela convivesse com as famílias dos filhos, que criou com tanta fibra e amor. Nessa época, todos os irmãos dela já haviam falecido.

            A essa mulher, que foi minha inesquecível mãe, rendo novamente meu tributo,  meu grande amor e gratidão. Sei que ela, por certo, em espírito, deve estar ao meu lado, sorrindo e dizendo:

            “— Jorginho, meu filho, vá dormir. Amanhã você precisa acordar cedo para trabalhar!”

            E eu, como filho rebelde, mas que muito a ama, dir-lhe-ei, simplesmente:

            — Obrigado, mamãe. Hoje, novamente, dormirei feliz, sob o zelo materno de jovem viúva que passou muitas noites em claro imaginando o que daria para comer a sete filhos. Hoje, você sabe que Deus jamais deixa de nos amar e amparar, pois como disse Jesus: “Vejam os lírios dos campos. Eles não trabalham nem tecem, mas nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, quanto mais vestirá cada um de vocês, homens de pequena fé!” (Lucas, 12:27, 28).

            Sua bênção, mamãe!

            Ao que ela responderá: “— Deus o abençoe, meu filho. Só não preciso lembrá-lo da frase que está no capítulo 25 d’O Evangelho Segundo o Espiritismo: ‘Ajuda-te, que o céu te ajudará”.

            Obrigado, mamãe. Agora posso dormir e sonhar. Sonhar com você, uma grande mulher...

 

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Sobre o Autor

Jorge Leite de Oliveira é

Consultor Legislativo aposentado da CLDF. Formação acadêmica: Bacharel em Direito (Advogado, OAB/DF 16922); grad. em Letras (UniCEUB); pós-grad. em Língua Portuguesa(CESAPE/DF) e em Literatura Brasileira (UnB); Mestre em Literatura e Doutor em Literatura pela UnB. Professor de Língua Portuguesa, Redação, Orientação de Monografia, Literatura e Pesquisas, no UniCEUB, de 1º set. 1988 a 1º jul. 2010. Palestrante, escritor, revisor e articulista espírita. Autor do Blog: <jojorgeleite.blogspot.com/>.

Autor dos livros:

1. Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica. 10. ed. 1. reimp. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

2. Guia prático de leitura e escrita. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

3. Chamados de Assis: espaços fantásticos do Rio mutante na obra machadiana. Curitiba, PR, 2018.

4. Da época de estudante de Letras: edição esgotada: Mirante: poesias. Brasília: Ed. do autor, 1984.

5. Texto técnico: guia de pesquisa e de redação. 3. ed. rev., ampl. e melhorada. Brasília: abcBSB, 2004 (também esgotada).

 

Contato:

jojorgeleite@gmail.com