John Locke
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2015
atualizado em jul. 2020
John Locke (1632 –1704) foi um filósofo inglês considerado como precursor e ideólogo do liberalismo. O Filósofo da liberdade: “a mais ponderada e perene alma do liberalismo” (HORTA, 2004, p. 240) e o “pai espiritual do liberalismo moderno” (MONCADA, 1950, p. 203). “Suas ideias encontram-se na base das democracias liberais” (LOCKE, 1999, p. 17).
Além disso, é considerado como o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contratualismo (HORTA, 2002 e 2004): teoria segundo a qual a sociedade surge a partir de um pacto, um contrato estabelecido entre os homens, que faz com que estes abandonem o estado de natureza e se organizem em sociedade.
Como filósofo e teórico político defendeu a tese de que o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formação do governo, a proteção dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade são os principais fundamentos do estado civil. Os interesses do filósofo não se limitavam ao estudo da política e abarcaram temas diversos como: Epistemologia, Ética, Política, Religião e Educação (BARACHO, 1996). Todavia, considerando o tema central do nosso website vamos nos concentrar principalmente no aspecto político de seu pensamento.
Seus dois grandes tratados sobre política constituem dois clássicos no desenvolvimento das ideias políticas da modernidade. No Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, já que, como contratualista, o poder dos reis deriva de um pacto e não de uma ordem sobrenatural (saiba mais sobre o contratualismo no texto: O Contratualismo de Locke). O Primeiro tratado é uma refutação do Patriarca (Patriarcha or the Natural Power of kings), obra em que o pastor anglicano Robert Filmer (1588-1653) defende o direito divino dos reis com base no princípio da autoridade paterna que Adão, supostamente o primeiro pai e o primeiro rei, legara à sua descendência. De acordo com essa doutrina, os monarcas modernos eram descendentes da linhagem de Adão e herdeiros legítimos da autoridade paterna dessa personagem bíblica, a quem Deus outorgara o poder real.
Locke, como Hobbes, se opõe à tese defendida por Filmer de que o poder absoluto e divino dos reis (e, portanto, seu poder político) derivaria do poder paterno. Boa parte do esforço de Locke nesse livro é mostrar que a tese do direito divino se desenvolve no âmbito das interpretações possíveis dos textos sagrados, isto é, no âmbito de uma exegese bíblica, o que torna os argumentos de Filmer irrelevantes, já que ele faz uso, para “comprovar” suas teses, de um raciocínio teleológico que carece de base científica (KRITSCH, 2010, p. 75).
No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, expõe sua teoria do Estado liberal e da propriedade privada. Além disso, o Segundo tratado é um ensaio sobre a origem, extensão e objetivo do governo civil onde Locke sustenta a tese de que nem a tradição nem a força, mas apenas o consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político legítimo. Eis como se refere ao Segundo tratado Cabral de Moncada (1950, p. 204, nota de rodapé), então catedrático da universidade de Coimbra: “clássico ensaio, espécie de cartilha do liberalismo, universalmente conhecido através de inúmeras traduções em todas as línguas”.
Por isso Locke é considerado o pai do individualismo liberal e sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil é considerada como um dos textos fundadores da tradição liberal na política. Suas ideias ultrapassaram as fronteiras da Inglaterra, influenciando até mesmo filósofos iluministas franceses “principalmente Voltaire e Montesquieu e, através deles, a Revolução Francesa e a declaração dos direitos do homem e do cidadão” (NODARI, 1998, p. 164). “No século XVIII, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais ideias responsáveis pela Revolução Francesa. Montesquieu (1689-1755) inspirou-se em Locke para formular a teoria da separação dos três poderes” (LOCKE, 1999, p. 17).
Locke é também herdeiro da tradição jusnaturalista defendida, por exemplo, por Hugo Grócio (1588-1625) para o qual o homem teria, por natureza, certos direitos fundamentais: direitos naturais (do latim: ius = direito; naturalis = natural) conferidos ao homem pela lei da natureza. Veremos em maiores detalhes mais adiante esta concepção em Locke pois, como afirma Franks (2007, p. 75) a teoria política de Locke se fundamenta “na teoria do direito natural que reivindica sua legitimidade com base numa hipotética condição natural do ser humano”.
Finalmente, como ideólogo da monarquia constitucional representativa, Locke procurou refutar os dogmas políticos de uma monarquia absolutista, de um poder absoluto centralizado nas mãos dos reis, cujo poder deve ser limitado pela lei, por uma constituição.
O Contexto Histórico Inglês
As visões políticas do filósofo inglês se formaram no contexto das Revoluções Inglesas se opondo ao regime absolutista. A teoria do direito divino dos reis (base das monarquias absolutistas), muito em voga na época, foram questionadas pelo filósofo: “A monarquia não se fundamenta no direito divino [...] essa tese não pode ser encontrada nas Escrituras nem nos Antigos Padres” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 108).
O Contrato Social, fundado na ideia de consentimento, não pode dar origem a um poder absoluto, pois para Locke o consentimento não é concebível em um Estado Absoluto, o que explica o posicionamento de Locke contrário às monarquias absolutistas.
Por isso Locke é considerado como filósofo e teórico da “Revolução Gloriosa” de 1688, que instituiu uma monarquia constitucional (HORTA, 2004). Locke forneceu a posteriori a justificação moral, política e ideológica para a Revolução Gloriosa e para a monarquia parlamentar inglesa. Locke influenciou também a revolução norte-americana, cuja declaração de independência foi redigida e a guerra de libertação foi travada “em termos de direitos naturais e de direito de resistência para fundamentar a ruptura com o sistema colonial britânico” (NODARI, 1998, p. 164).
Por causa de suas ideias, Locke teve que se refugiar acusado de traição juntamente com o lorde de Shaftesbury (Anthony Ashley Cooper), seu mentor político e líder da oposição ao rei Carlos II (que passou a ocupar o trono inglês em 1660, dois anos após a morte de Oliver Cromwell) no parlamento. É dessa época que Locke irá se ocupar ativamente de questões políticas em função de seu cargo de secretário de Shaftesbury.
“Em 1675, Shaftesbury foi destituído de todos os seus cargos e Locke foi também obrigado a abandonar as atividades políticas. Viajou então para a França, onde permaneceria durante três anos e se relacionaria com os círculos intelectuais de Montpellier e Paris” (LOCKE, 1999, p. 7). Seis anos depois Shaftesbury é preso e obrigado a se refugiar na Holanda o qual será seguido por Locke, por causa da liberdade de pensamento existente naquele país.
O século XVII foi marcado pelo antagonismo entre a Coroa e o Parlamento, controlados, respectivamente, pela dinastia Stuart, defensora do absolutismo, contra a burguesia ascendente, partidária do liberalismo. Em 1689, após intensos conflitos entre a autoridade real e a autoridade do Parlamento (apoiado pela burguesia ascendente), a Câmara dos Comuns outorgou a Guilherme de Orange e sua esposa Maria Stuart o poder real. “Em defesa da Liberdade, do Parlamento e da Religião Protestante” (MELLO, 1999), com este lema gravado em seu estandarte Guilherme de Orange desembarcou em solo britânico para depor o rei Jaime II (que ascendeu ao trono inglês em 1685) e encerrar um longo e tumultuado período da história inglesa.
Segundo Jean-Jacques Chevalier, John Locke retornou à Inglaterra no mesmo navio que a Mary, esposa de Guilherme de Orange: “A princesa Mary [...] tem por passageiro em seu navio, o Izabella, um cavalheiro afável, médico e filósofo, chamado John Locke — que as circunstâncias levaram a desempenhar um papel ativo como conselheiro político” (1983, p. 29 apud HORTA, 2004, p. 243). O fato de Locke estar no navio “não era obra de simples acaso. Locke participou ativamente do processo revolucionário realizado em seu país” (Carlos Estevan Martins e João Paulo Monteiro – autores da consultoria e da biografia de Locke: apud LOCKE, 1999, p. 6). “Desse modo, voltando a Londres, ele pôde colher os louros merecidos do sucesso. Foram-lhe oferecidos cargos e honrarias. Sua fama espalhou-se por toda a Europa” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 92).
Trecho da Declaração de Direitos de 1689
Parliament of the United Kingdom.
Disponível em:
National Archives of the United Kingdom.
Acesso em: 16 jul. 2020
A Revolução Gloriosa assinalou o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo e, com a aprovação do Bill of Rights em 1689, assegurou a supremacia legal do Parlamento sobre a realeza e instituiu na Inglaterra uma monarquia limitada. E John Locke, nas palavras de Jean-Jacques Chevalier (1986), tinha uma sede pelo antiabsolutismo: um desejo de eliminar qualquer risco de despotismo, arbitrariedade e autoridade com poderes absolutos.
Analisando a possibilidade de um “estado de guerra” no contexto das Revoluções Inglesas Antônio Silva afirma:
No momento em que o governante deixa de cumprir as funções para as quais fora incumbido e passa a usar o poder de forma discricionária, esse se torna um poder ilegítimo e, portanto, entra em estado de guerra com os contratantes que o instituíra, sendo legítimo derrocá-lo. Portanto, o poder instituído na Inglaterra era legítimo em seu nascedouro, mas deixou de sê-lo no momento em que deixou de cumprir as funções para as quais fora constituído, portanto, entrara em estado de guerra com o povo inglês, cabendo ao próprio povo derrubar tal governo (SILVA, 2011, p. 132).
Os Dois tratados de Locke, escritos provavelmente em 1679-80, só foram publicados na Inglaterra em 1690, após o triunfo da Revolução Gloriosa. John Locke, como opositor dos Stuart, se encontrava refugiado na Holanda (como vimos) e retornou à Inglaterra somente após o triunfo da Revolução Gloriosa.
"Prince of Orange" gravura de Guilherme Miller
Disponível em: Wikipedia. Acesso em: 16 jul. 2020
Jusnaturalismo
A exemplo de grandes pensadores como Hugo Grócio, Richard Hooker, Thomas Hobbes e Pufendorf, Locke “adota a tradição do direito natural, um direito que tem a função moral de justificar a conduta humana pelo fato de ser derivado da natureza pelo uso da razão” (FRANKS, 2007, p. 75). Todos estes pensadores fizeram uso da ideia de uma lei natural tida como “normas universais que impunham obrigação a todos capazes de segui-las, a todos os agentes morais, e não somente aos cidadãos de uma jurisdição em especifico” (DARWALL, 2006, p. 221 apud BRUM, 2011, p. 40).
Hugo Grócio, por exemplo, propõe sua reflexão sobre a ideia de uma lei natural no texto Direito da guerra e da paz: “onde pretende teorizar sobre o Direito como algo dividido em duas instâncias, aquilo que é divino (as vontades divinas sobre a natureza e os homens) e aquilo que é humano (aquilo que depende da Razão humana, do consenso, para se tornar uma norma efetivamente)” (SOUSA, 2018, p. 21).
No caso de Locke podemos notar a influência de pelo menos dois pensadores: Hooker e Pufendorf. Franks (2007, p. 76) ressalta a influência de Roberto Hooker no jusnaturalismo de Locke comprovada pelas inúmeras citações que Locke faz do pensamento do “judicioso” Richard Hooker [...] por meio da simpatia pelas teorias de Hooker, Locke, aparentemente, não estaria rompendo com a tradição, mas com ela se alinhando: “A concepção de Hooker sobre o direito natural é Tomista, e a concepção de Santo Tomás de Aquino, por sua vez, remete mais atrás aos ‘pais da igreja’, que, por sua vez, eram discípulos dos Estóicos, discípulos dos discípulos de Sócrates” (STRAUSS 1954, p.165) (apud FRANKS, 2007, p. 76).
Além de Hooker, podemos notar também que a concepção de lei natural em Locke
teve como fato determinante a leitura em 1660-61 de Elementa jurisprudentiae universalis de Pufendorf. Defende a autora que Locke foi sensível ao fato de que a ciência demonstrativa e ética elaborada por Pufendorf correspondiam à definição da ação moral como agir voluntário do homem em sociedade. Esta lei natural, medida da moral, de acordo com Goyard-Fabre, “Pufendorf reconhecia, como Locke, a expressão da vontade de Deus” (1986, p.75). Essa vontade de Deus era compreendida por Locke de acordo com a versão tradição tomista segundo a qual era possível o homem conhecer por intermédio de sua capacidade racional. Sendo assim, a posse comum dessa faculdade excluía, definitivamente, “[...] a possibilidade de supor-se qualquer subordinação entre os homens que nos autorize a destruir a outrem, como se fôssemos feitos para uso uns dos outros como as ordens inferiores de criaturas são pra nós” (Simone Goyard-Fabre apud SILVA, 2014, p. 172).
Uma observação importante a se fazer é que o direito natural não deve ser confundido com a lei natural. O direito natural “surge como um reconhecimento, através da Razão, de que os homens, por exemplo, têm direitos que não podem ser alienados sem corromper a vontade divina, as leis da natureza” (SOUSA, 2018, p. 58). Já a lei natural, para Locke, “é antes de tudo um conjunto de regras que regem todas as coisas, e que está ‘implantada no coração dos homens’” (id., ibidem, p. 58). Na verdade existe uma certa dificuldade de se entender a lei natural em Locke, pois como pondera Franks (2007, p. 78): “Locke não explica a lei natural nos seus Dois tratados e se limita a afirmar que essa lei é conhecida pela razão ou pela Revelação, o que já dá a ideia da importância da lei natural pra Locke”.
Em Locke alguns dos direitos fundamentais conferidos a partir da lei natural são: o direito à vida, à liberdade e à propriedade. “O homem (...) tem, por natureza, o poder não só de preservar a sua propriedade – isto é, a vida, a liberdade e os bens (...)” (DT, II, §87 apud FRANKS, 2007, p. 81). Sobre a ideia de liberdade, Sousa (2018, p. 27) ressalta como “o conceito de liberdade natural exerce grande influência no conjunto das ideias filosóficas de John Locke” e como o filósofo tenta “fundamentar a liberdade a partir da natureza” (id., ibidem., p. 27). Já no que diz respeito ao conceito de propriedade, é importante ter em mente que Locke usa este conceito em dois sentidos: um sentido restrito de bens materiais; e um sentido amplo que diz respeito à soma dos direitos à vida, à liberdade e às posses.
A Origem Divina da Lei Natural
Locke atribuía à Deus a origem da lei natural, acreditava ser esta passível de ser conhecida pelo uso da razão e através do estudo da natureza humana, que seriam, nas palavras de Brum (2011, p. 40), respectivamente, o traço racionalista e o lado empirista de Locke. Sendo que o “modo de conhecer a lei natural a partir de um exame da natureza humana guarda semelhanças com a obra de Pufendorf” (id., ibidem, 40).
A existência de Deus é o ponto de partida para o conhecimento da lei da natureza pois a existência de uma ordem fixa e imutável da natureza decorre do fato de que todas as coisas estão submetidas às leis criadas por Deus. A lei natural, ao contrário das leis humanas, não são leis instituídas por um magistrado. “Essa lei da natureza pode ser descrita como sendo o decreto da vontade divina, discernível pela luz da natureza, e indica o que está e não está em conformidade com a natureza racional, e por essa mesma razão comanda ou proíbe” (LOCKE, p. 111 apud BRUM, 2011, p. 42).
Locke usa a figura divina para dar consistência à ideia de uma lei natural que existe por conta de um criador. E sobre isso ele nos diz: “Os dois pressupostos que são necessários para o conhecimento de toda e qualquer lei são (1) o reconhecimento de um legislador, e (2) o reconhecimento de que há alguma vontade revelada por esse legislador, e que ele requer de nós que conduzamos nossa vida de acordo com essa vontade. Experiência sensorial e Razão apoiam-se mutuamente no sentido de tornar estes dois pressupostos conhecidos pelos homens” (LOCKE, Essays on the Law of Nature, 1954, página 99 apud SOUSA, 2018, p. 60-61).
Do que ficou dito até aqui podemos inferir que: 1) existem leis da natureza; 2) essas leis foram criadas por um Legislador Divino; 3) essas leis podem ser conhecidas pela Razão; 4) expressam determinações e obrigações; 5) apesar de expressar uma obrigação, o homem pode desobedecê-las; 6) de tais leis decorrem os direitos fundamentais dos homens; 7) o direito natural fundamenta o poder político (e é sobre este ponto que iremos tratar agora).
Direito Natural e Poder Político
O poder político em Locke se fundamenta no direito natural, em outras palavras, o sistema político de Locke “não poderia ser explicado sem a tradição jusnaturalista” (BOBBIO, 1997, p. 9 apud FRANKS, 2007, p. 75). As leis naturais constituem regras que devem ser observadas por todos os homens, indistintamente, considerando que são leis derivadas do próprio Deus. Assim, o Estado (resultado da passagem do estado de natureza para o estado civil) deve garantir que as leis naturais serão respeitadas. Por isso podemos dizer que “as leis naturais estão no âmago de todo o sistema político de Locke” (FRANKS, 2007, p. 84).
O direito natural já existe no estado de natureza e, ao fundar uma sociedade, esta passa a ser regida politicamente pelo direito positivo.
Como observa Strauss, Locke fala dos direitos naturais do homem como sendo derivados da lei de natureza [...] A lei de natureza impõe deveres aos homens, independentemente se eles vivem no estado de natureza ou no estado civil. Locke diz que “a lei de natureza, é uma regra eterna para todos, sendo evidente e inteligível para todas as criaturas racionais” (STRAUSS 1954, p.202 apud FRANKS, 2007, p. 92).
O estado de natureza, uma espécie de estado pré-social (saiba mais sobre o estado de natureza no texto: O Contratualismo de Locke), é um estado em que os homens vivem em plena liberdade, sem as barreiras constituídas por uma lei ou por um governo civil. A liberdade humana faz parte da lei da natureza e Locke dá tanta importância a ideia de liberdade que chega a dizer: “nascemos livres como nascemos racionais” (apud SILVA, 2014, p. 172). A liberdade humana “é um poder natural que os homens possuem para agir ou não de acordo com sua vontade. É por essa natureza de seres livres, capazes de agir, que os homens consentiram em deixar o estado de natureza e revestir-se dos laços da sociedade civil” (SILVA, 2014, p. 172).
Um Filósofo Liberal
É por causa da valorização da liberdade que Locke foi considerado como um Filósofo Liberal. Um pensamento calcado no indivíduo e na defesa dos seus direitos. Como pondera Silva (2017, p. 176,) a frase basilar da filosofia liberal lockeana (citada anteriormente) é: “nascemos livres, assim como racionais [Thus we are born free as we are born rational]”. Se a liberdade é uma condição natural do ser humano no estado de natureza, ela deve ser preservada no estado social, na vida em sociedade:
[...] o fim da lei não é abolir ou restringir, mas conservar e ampliar a liberdade, pois, em todos os estados de seres criados capazes de lei, onde não há lei não há liberdade [...]. Mas não é, como já nos foi dito, liberdade para que cada um faça o que bem quiser (pois quem poderia ser livre quando o capricho de qualquer outro homem pode dominá-lo?), mas uma liberdade para dispor e ordenar como quiser a própria pessoa, ações, posses e toda a sua propriedade, dentro dos limites das leis às quais se está submetido; e, portanto, não estar sujeito à vontade arbitrária de outrem, mas seguir livremente a sua (apud SILVA, 2017, p. 175-176).
O conceito de liberdade é tratado em praticamente todas as obras de Locke, inclusive em suas obras sobre Teoria do Conhecimento, como é o caso do Ensaio acerca do Entendimento Humano e por isso merece um estudo só para tratar sobre o tema. No que diz respeito as suas obras políticas, mais especificamente nos Dois Tratados sobre o Governo: “a concepção lockeana de liberdade é afirmada enquanto maioridade política [...] e o objetivo está em contrapor às posições daqueles que defendem sistemas de governo absolutistas” (SILVA, 2017, p. 173).
Economia Política
O debate em torno do direito à propriedade, do valor do trabalho, do comércio, do dinheiro, da moeda e do valor da moeda (ouro e prata) colocam John Locke como um dos precursores da Economia Política, no sentido de que as formulações levadas à cabo pelo filósofo inglês confere um caráter particular à relação entre política e economia, embora seja necessário salientar que a Economia enquanto ciência ainda não existia.
Em matéria de economia, em um campo do saber que avançava à luz do desenvolvimento comercial e manufatureiro, Locke fez também algumas incursões. Assessorando a Coroa Inglesa como Secretário do Council for Trade and Plantations, Locke veio tomar contato com as principais questões econômicas que caracterizavam os debates em sua época. Versando sobre temas de imediato interesse prático, a atenção de Locke concentrou-se, principalmente, nas questões concernentes ao comércio internacional, à desvalorização da moeda e à fixação de um limite para a taxa de juros (GUIMARÃES, 1995, p. 155-156).
Se nós levarmos em consideração que o surgimento da Economia enquanto ciência está de alguma forma ligado aos princípios do liberalismo, então temos pelo menos uma forte razão para incluir John Locke neste debate, embora Locke não advogue que o princípio da liberdade individual seja aplicado à economia, como o fez claramente Adam Smith. Mas o liberalismo foi um dos responsáveis para que as questões econômicas pudessem de alguma forma estar relacionadas com a política, dando origem à economia política clássica. E como afirma Luiz Pinto: “O individualismo característico do liberalismo econômico encontra suas raízes no protestantismo calvinista, o que Locke aplicou a sua teoria política” (2007, p. 48).
Disponível em: SLIDEPLAYER, slide 5 (Acessado em 02/11/2015)
Referências Bibliográficas
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CHEVALLIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas: de Maquiavel a nossos dias. Trad. Lydia Cristina. 5. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986.
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FRANKS, Ronne. Os Fundamentos da Teoria Política Lockeana: Locke Leitor de Filmer. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2007.
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HORTA, José Luiz Borges. Horizontes jusfilosóficos do Estado de Direito. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito). Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2002.
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KRITSCH, Raquel. Liberdade, propriedade, Estado e governo: elementos da teoria política de John Locke no Segundo Tratado sobre o Governo. Revista Espaço Acadêmico, ano X, n. 115, p. 73-85, dez. 2010. Acessado em 02/11/2015.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil; Ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Introd. J.W. Gough. Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. (Coleção clássicos do pensamento político, 14).
LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. Tradução de Anoar Aiex. Consultoria de Carlos Estevam Martins e João Paulo Monteiro. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).
MELLO, Leonel Itaussú A. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francisco. (org.). Os clássicos da política. 12. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, pp. 79-110.
MONCADA, L. Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado; V. I, parte histórica. São Paulo: Saraiva, 1950.
NODARI, Paulo César. A emergência do individualismo moderno no pensamento de John Locke. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Departamento de Filosofia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, 1998.
PINTO, Luiz Antônio Gomes. Aspectos da filosofia política de John Locke e a sua aplicação na contemporaneidade. SINAIS, Revista Eletrônica, Vitória, n.02, v.1, pp.47-65, out. 2007. Acessado em 03/11/2015.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. São Paulo: Paulus, 2005.
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WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Introdução à História do Pensamento Político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
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