Filosofia Política Moderna

 

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em jun. 2016

versão em Espanhol

Renascimento e Modernidade

            Segundo os historiadores da filosofia, podemos atribuir pelo menos três principais fatores históricos à origem da filosofia moderna, a saber:

  • O humanismo renascentista do século XV
  • A Reforma Protestante do século XVI
  • A Revolução científica do século XVII

 

         Outros fatores históricos devem aí ser incluídos, como a descoberta do Novo Mundo; o desenvolvimento do mercantilismo; a consolidação dos Estados Nacionais (Espanha, Portugal, Inglaterra, França e Países Baixos).

            Do ponto de vista da racionalidade filosófica, o humanismo renascentista e a revolução científica se sobressaem nesse aspecto, seja na época do quattrocento, que restabelece os valores humanos ou do cinquecento, marcado por uma profunda investigação da natureza.

            O Humanismo Renascentista pode ser analisado a partir dos seguintes aspectos:

  • como uma transição entre a Idade Média e a Modernidade;
  • Ruptura com a Idade Média onde se tinha a arte voltada para o sagrado e a filosofia à serviço da teologia e da problemática religiosa;
  • Traço mais característico: humanismo;
  • Valorização da dignidade do homem (dignitas hominis), dignidade natural, em oposição ao homem decaído, marcado pelo pecado original, descendente de Adão;
  • Valorização da liberdade humana; o homem é um microcosmo, que reproduz em si a harmonia do cosmo;
  • Influência platônica: o Platão poeta, de grandes dons literários, dialético;
  • Criação em Florença da Academia Platônica ou Academia Florentina, sob o patrocínio de Cosme de Médici e direção de Marsílio Ficino, um dos principais humanistas renascentistas, procurando reviver o ambiente artístico filosófico e cultural que se imaginava ou idealizava, ser o período clássico greco-romano.

 

            Sobre o humanismo renascentista, Sciacca revela que consiste em uma “afirmação do valor e da dignidade humana” (1968, p. 09). Quando se diz que o humanismo renascentista descobriu ou redescobriu “o valor do homem”, quer com isso dizer-se que reconheceu o valor do homem como ser terrestre ou mundano, inserido no mundo da natureza e da história, capaz de nele forjar o próprio destino. Humanismo que também se faz sentir na literatura, através do que poderíamos chama de uma litterae humanae (cultura humana – renascimento) em oposição a uma litterae divinae (cultura teológica – idade média).

            Por outro lado a Reforma Protestante, de um ponto de vista filosófico, representa a defesa da liberdade individual e da consciência como lugar de certeza, sendo o indivíduo capaz, pela sua luz natural, de chegar à verdade.

            Embora a reforma luterana tenha um caráter profundamente religioso, quando Lutero (1483-1546), um monge da ordem dos agostinianos, prega na porta da Igreja de Todos os Santos em Wittenberg, em 1517, as 95 teses contra os teólogos da universidade e contra o papa Leão X, em pouco menos de 50 anos, o panorama político e religioso europeu alterou-se profundamente, e a discussão de questões filosóficas, teológicas e doutrinárias relacionadas à Reforma tem um papel fundamental no cenário intelectual da época.

            Em 1527 é criada a primeira Universidade protestante em Marburg, seguindo-se outras; em 1534 cria-se na Inglaterra, a Igreja Anglicana; em 1560 a Escócia converte-se ao Calvinismo; em 1566 a Holanda estabelece a Igreja calvinista como religião oficial; A Reforma iniciada por Lutero rapidamente difundiu-se pela Europa. A este movimento, seguiu-se o movimento de Contra-Reforma, implementado pela Igreja Católica. O Concílio de Trento (1545-63) estabeleceu as bases doutrinárias e litúrgicas do catolicismo, reforçando a autoridade do papa; As obras de São Tomás de Aquino foram colocadas no altar, ao lado da Bíblia.

            Não se pode dizer que a reforma luterana tenha sido motivada por questões filosóficas, com efeito, entre suas ideias, Lutero defende que a fé é suficiente para que o indivíduo compreenda a mensagem divina nos textos sagrados, a assim chamada “regra de fé”. Por outro lado Lutero combate a visão aristotélico-tomista da escolástica, o racionalismo. Serve-lhe de inspiração a concepção agostiniana de “luz natural”, segundo a qual todo indivíduo, iluminado pelo Espírito Santo de Deus pode entender e aceitar a Revelação. Inspira-se também em São Paulo: “o justo viverá pela fé” (Rm, 1, 17). Lutero recusou ainda a autoridade institucional da Igreja (papas e concílios), valorizando a consciência individual (não agir contra a própria consciência). Mas com o enfraquecimento do poder da igreja as discussões filosóficas voltam novamente ao palco não apenas dos debates teológicos, mas também da racionalidade científica, motivada sobretudo pelas ideias de Galileu Galileu, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Nicolau de Cusa, entre outros.

            A revolução científica não surgiu do nada ou de uma hora para outra. A investigação natural é de fato a parte primeira e fundamental da filosofia do Renascimento e é precedida de várias observações que foram realizadas ao longo da Idade Média, muitas vezes misturadas com aquilo que era chamado de magia, alquimia ou feitiçaria. Podem distinguir-se na investigação natural três aspectos ou fases, que são a magia, a filosofia da natureza e, por fim, a ciência.

            A magia renascentista é caracterizada por dois pressupostos: 1) a universal animação da natureza, que se verifica ser movida por forças intrinsecamente semelhantes às que actuam no homem, coordenadas e harmonizadas por uma simpatia universal; 2) a possibilidade que assim se oferece ao homem de penetrar de golpe, com meios ambíguos ou violentos, nos mais ocultos recessos da natureza e de lhes conseguir dominar as forças com lisonjas e encantamentos, isto é, com os mesmos meios com que se atrai a si um ser animado.

            A filosofia natural, que já se havia manifestado em alguns dos próprios defensores da magia, mas se afirmara pela primeira vez em Telésio, que abandona este último pressuposto. A natureza é, no entanto, sempre considerada como uma totalidade viva, mas considera-se regida por princípios próprios; e a doscoberta destes princípios torna-se a tarefa da filosofia. A filosofia pretende penetrar na natureza por intermédio da própria natureza, prescindindo de hipóteses e de doutrinas fictícias. E assim abre o caminho à verdadeira e própria investigação científica.

            A ciência é o último o mais maduro resultado do naturalismo do Renascimento. Em 1543, o monge Nicolau Copérnico publica, Sobre a revolução dos orbes celestes. neste mesmo ano, André Vesalius, o maior anatomista da época, publica, De humanis corporis fabrica (A estrutura do corpo humano). Em 1600 Giordano Bruno é queimado na fogueira da Inquisição como herege por causa de suas ideias contrárias aos dogmas da Igreja: o mundo torna-se infinito, a terra deixa de ser o centro do universo, os céus perdem sua incorruptibilidade. Em 1609 Kepler defende um universo regido por leis matemáticas em sua Astronomia nova sive physica coelestis (Nova astronomia a física celeste). No ano de 1616 a Inquisição condena a obra de Copérnico (um dos argumentos utilizados foi que, nas Escrituras, Josué pede a Jeová que faça o Sol parar no céu até a derrota de seus inimigos (Josué, 10, 11-13). Ora, se o Sol parou, é porque se movia em torno da Terra) apesar das observações de Galileu através do telescópio, procurando demonstrar a viabilidade do sistema heliocêntrico. E por fim temos o próprio Galileu Galilei que inaugurou uma nova fase na história da ciência, ao defender o racionalismo matemático como base do pensamento científico, “o universo é um texto escrito em caracteres matemáticos”,e ao criar a ideia moderna da experimentação e observação científica, combinando a indução experimental e o cálculo dedutivo, tomando o lugar da teoria, vita contemplativa, considerada a forma mais elevada para se chegar ao conhecimento pelo homem medieval.

            E no centro de toda esta efervescência de ideias, temos ainda os filósofos e pensadores políticos, que debatem sobre um provável surgimento da sociedade civil a partir de um contrato social, ou que tentam justificar a legitimidade do poder do soberano ou quais são as funções de um governo. Ainda hoje existe uma enorme variedade de conceitos cujas origens estão nas reflexões filosóficas e políticas da modernidade, como o liberalismo político, a soberania popular, o direito positivo, entre outros. Esta seção é dedicada ao debate de tais ideias, a exposição das teorias filosóficas que nortearam as relações políticas e sociais e que, inclusive, contribuíram para as revoluções burguesas do século XVII e XVIII, como a Revolução Francesa ou a Revolução Americana, influenciadas e inspiradas por ideais iluministas.

 

            No período do Renascimento e da Modernidade alguns pensadores se destacaram por sua ênfase na teoria do conhecimento, na investigação da natureza e do mundo físico, como é o caso de Giordano Bruno, Pascal, René Descartes, Malebranche, Leibniz, Kant. Outros se destacaram por suas ideias no campo da política, como Thomas Morus, Erasmo de Roterdã, Nicolau Maquiavel, Montesquieu, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau. E outros ainda se debruçaram tanto sobre um campo do conhecimento como no outro, tal é o caso de Francis Bacon, John Locke, Thomas Hobbes, David Hume e Baruch Spinoza.

            Francis Bacon além de escrever uma obra no campo do conhecimento, a saber, Novum Organum, sendo por isso considerado como o precursor da filosofia empirista, escreveu igualmente uma obra política intitulada Nova Atlântida (BACON, 1973), que mostra um lugar imaginado por Francis Bacon (ilha de Bensalém) onde o bem comum é almejado por todos os habitantes da cidade, prezando por tudo o que é natural, com um relato feito em primeira pessoa mediante a narrativa de um quase náufrago e seus companheiros de viagem. Seus cidadãos vivem em harmonia com a natureza, primando pelo igualitarismo social, baseado na harmonia com tudo o que é natural e com ênfase no cientificismo, mas onde a religião também exerce um papel primordial.

            John Locke, outro filósofo empirista, além de escrever os Dois Tratados sobre o Governo Civil, obras pelas quais inscreveu seu nome no rol dos pensadores políticos modernos, se debruçou também sobre a teoria do conhecimento escrevendo a obra Ensaio sobre o entendimento humano onde polemiza com os filósofos racionalistas, dentre eles René Descartes, se a razão ou a experiência deve ser considerada como o critério de validade para se atingir o conhecimento (LOCKE, 2001 e 2005).

            Thomas Hobbes, autor da obra Leviatã (2003), dividiu este livro em quatro partes, sendo a primeira dedicada ao estudo da natureza humana: da sensação, imaginação, linguagem, razão, ciência, paixões. E só depois inicia o estudo da República, da soberania, das leis civis e da relação entre a religião e a política.

            David Hume, mais um filósofo empirista, escreveu além de um Tratado sobre a Natureza Humana outra obra intitulada Investigações sobre o entendimento Humano, onde polemiza com John Locke e Leibniz questões relativas ao entendimento humano. Hume é autor também de quinze Ensaios sobre Política e sete ensaios sobre Economia (HUME, 2001, 1998 e 2003).

            E Baruch Spinoza, conhecida por sua famosa Ética demonstrada segundo a ordem geométrica, também é autor de um Tratado teológico político (SPINOZA, 2009 e 2003).

 

Referências Bibliográficas

BACON, Francis. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza; Nova Atlântida. Trad. José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

HOBBES, Thomas. Leviatã. Organizado por Richard Tuck. Tradução de João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nissa da Silva, Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HUME, David. Ensaios Políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

____. Investigação sobre o entendimento humano. (tradução: Artur Morão) Lisboa: Edições 70, 1998.

____. Tratado da natureza humana. (Tradução de Déborah Danowski) São Paulo: Editora UNESP e Imprensa Oficial do Estado, 2001.

LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

____. Ensaio sobre o entendimento humano. Lisboa: Fundação Calouste-Gulbenkian, 2005.

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

____. Tratado Teológico Político. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

Sobre a Filosofia Política Moderna indicamos várias obras que podem ajudar a aprofundar o tema, a partir do pensamento dos vários filósofos que compõem este período da História da Filosofia. Sugerimos como leitura:

BOBBIO, Norberto; BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna. São Paulo: Brasiliense, 1986

BORON, Atilio A. (org.). Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx. Buenos Aires/São Paulo: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciencias Humanas-USP, 2006, p. 287-330. Acessado em 11/02/2016.

BRÉHIER, Émile. Histoire de la philosophie. Tome II: la philosophie moderne. Librairie Félix Alcan, Paris, 1929-1930-1932. Versão digital disponível em: Les classiques des sciences sociales. Acessado em 13/05/2016.

CHÂTELET, François, DUHAMEL, Olivier, PISIER-KOUCHNER, Evelyne. História das Idéias Políticas. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. 399p. [Título do original: Histoire des idées politiques].

CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999.

FITZGERALD, Ross. (Org.). Pensadores políticos comparados. Tradução de Antônio Patriota. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983.

MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore. A justiça dos modernos (segunda parte). In: ____. (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Versão digital disponível em Libertarianismo.org. Acessado em 13/05/2016.

MOSCA, Gaetano. História das Doutrinas Políticas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.

NISBET, Robert. Os filósofos sociais. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

QUIRINO, Célia Galvão; SADEK, Maria Tereza (orgs.). O pensamento político clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (ALTERAR FERÊNCIA DA OBRA EM LOCKE, MAQUIAVEL E HOBBES).

WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clássicos da política. 12ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1999.