Jean-Paul Sartre
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em mar. 2017
Jean-Paul Sartre foi um filósofo e escritor consagrado que viveu no século XX conhecido por suas obras filosóficas, literárias e suas reflexões sobre a existência humana com ênfase na liberdade, responsabilidade e no engajamento político (BEAUFRET, 1976; GIORDANI, 1997; HUISMAN, 2001).
Sartre faz parte, junto com Albert Camus, Maurice Merleau-Ponty, Simone de Beauvoir e Raymond Aron de uma geração de intelectuais franceses que tiveram como pano de fundo o contexto histórico a Segunda Grande Guerra, a Guerra Fria e a descolonização de países africanos e por isso sentiram a necessidade de discutir o papel dos intelectuais no processo de mudanças sociais. Com Simone de Beauvoir o seu relacionamento foi bem mais além que apenas intelectual. Ambos viveram um relacionamento sem as convenções normais que a sociedade impunha através do casamento e da monogamia, mas que estabeleceu entre ambos uma profunda e indispensável união a suas existências. O amor entre os dois, Sartre definia como um amor necessário, mas julgava conveniente não seguir as convenções da monogamia e experimentar amores contingentes. A relação entre os dois chegou a ser ameaçada por um relacionamento que Beauvoir teve com Nelson Algren – um escritor norte-americano que Simone conheceu em sua primeira viagem aos Estados Unidos – e que inclusive inspirou Simone em um de seus romances, Os Mandarins, através dos personagens Anne e Lewis, como afirma Calado (2012, p. 121). Mas Simone preferiu manter o pacto existente com Sartre de uma relação aberta ao ter que se mudar para os Estados Unidos para casar com Algren e afastar-se definitivamente de Sartre. Ao falar de seu encontro com Sartre, Simone se refere como “o acontecimento capital da minha existência” (apud CALADO, 2012, p. 119). E o próprio Sartre também entende a sua relação com Simone como algo intenso e profundo: “O fato é que, de qualquer maneira, nunca senti de modo tão intenso que você sou eu [...] nós dois somos um [...] você é sempre eu” (apud CALADO, 2012, p. 119).
Sartre, juntamente com sua companheira Simone de Beauvoir, se engajou em muitas causas, desde a defesa da independência da Argélia, a denúncia dos crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Vietnã, o apoio ao movimento de maio de 1968, o apoio a revolução cubana. “A série dos artigos de Sartre sobre Cuba [em razão da vitoriosa revolução cubana] publicada em Paris, no jornal France Soir, foi aqui traduzida [no Brasil] por Última Hora e, coincidindo com sua chegada [de Sartre e Simone de Beauvoir] ao Brasil, republicada em livro” (GARCIA, 1999, p. 80). O livro em questão de autoria de Sartre se intitula: Furacão sobre Cuba (e depoimentos de Rubem Braga e Fernando Sabino). Rio de Janeiro: Editora do Autor, s/d (provavelmente 1960).
Uma consequência direta desse engajamento foi a criação em 1945 (ano de publicação do primeiro número) da revista Les Temps Modernes, tendo como editor-chefe Sartre e cujos artigos em geral defendiam uma postura politicamente engajada por parte dos intelectuais, embora com algumas divergências entre seus autores. Juntamente com Merleau-Ponty, Sartre fundou o grupo de resistência intelectual “Socialismo e Liberdade”, mas a relação entre ambos logo se tornou polêmica.
Les Temps Modernes era uma revista multidisciplinar, pretendendo ser “a consciência crítica da sociedade, se tornando a principal revista cultural da França” (ARONSON, 2007, p. 81-82). Havia algumas divergências por exemplo entre Sartre e Camus no que diz respeito a ideia de engajamento, dentre elas a ideia de que apesar de Camus também compreender a necessidade do engajamento e uma maior participação política do intelectual, ele não o pensava como uma obrigação. O fato é que Camus adquiriu a admiração de Sartre exatamente por unir escrita e ação, sendo ao mesmo tempo um “poeta da liberdade e ativista político” (ARONSON, 2007, p. 97). O sucesso que esses intelectuais e o existencialismo tiveram, incluindo aí Simone de Beauvoir, foi devido, segundo Benoît Denis, à “capacidade do existencialismo de extrair as consequências da experiência do passado e de dar sentido ao momento histórico presente” (2002, p. 267).
Ribeiro (1995, p. 164) destaca, dentre os escritos do editor-chefe de Les Temps Modernes, Os comunistas e a paz – inédito no Brasil – “que mostrava um simpatizante do PC [Partido Comunista], porém que lhe fazia reservas, e também as sofria. Para citá-lo: os comunistas ‘me acusavam de ter espionado a Resistência em favor da burguesia fascista...’”. Na análise de Ribeiro (1995), apesar dos defeitos do PC, era este quem representava a classe operária, a única organização política que representava os movimentos sociais e por isso se fazia necessário dialogar com o partido, segundo Sartre. Mas o comunismo deu mostras de um programa que pode ser corrompido, como é o caso do stalinismo soviético o que o torna um mal tão subversivo quanto capitalismo imperialista. Segundo Ribeiro (1995, p. 166) Sartre afastou-se do comunismo em dois momentos decisivos:
O primeiro foi na repressão soviética à revolta húngara de 56, a primeira grande tentativa de unir democracia e comunismo, antes dos fracassos de Dubcek, na Tchecoslováquia de 1968, e de Gorbatchev, na segunda metade dos anos 80. Sartre tomou então a defesa dos rebeldes contra “o fantasma de Stalin”, embora acabasse se reaproximando do PC. A segunda ruptura, e esta definitiva, se dá em 1968. O PC finalmente se revela um partido burocrático, disposto a sacrificar a chance revolucionária de maio-68 a ganhos salariais e ao reconhecimento, pelo poder gaullista, do poder sindical e partidário dos comunistas (os acordos de Grenelle). Sartre vai então para os gauchistes, a extrema-esquerda, mas preferindo os maoístas.
A partir do momento em que o Partido Comunista Francês se mostra menos interessado em transformar o mundo do que em sua própria estrutura de poder, Sartre não vê mais motivos para seguir defendendo tal Partido.
Sartre, Simone de Beauvoir e Che Guevara
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Acesso em 25/02/2017.
Os últimos anos de vida de Sartre foram bastante intensos: viajou para Cuba onde teve um encontro com Fidel Castro e Che Guevara; viajou para Moscou onde foi recebido por Kruschev; além de continuar com seu intenso trabalho filosófico, literário e também como romancista, dramaturgo, conferencista, além de roteirista cinematográfico.
O Existencialismo Ateu
A existência humana foi alvo de profundas reflexões literárias e filosóficas, desde o século XIX até o século XX, tendo em Sartre um de seus principais expoentes. Para o existencialismo a existência é o ponto de partida da reflexão filosófica. A filosofia deve refletir sobre o homem no mundo, sobre o ser-no-mundo e, por isso, tem uma função eminentemente prática. O existencialismo destaca o valor da pessoa, da existência, da liberdade; acentua mais a vivência do que o “ser”. O cerne do pensamento existencialista é de que “a existência precede a essência” (SARTRE, 1987), no sentido de que o ser humano é aquilo que quiser ser. O homem é livre sendo ele o único responsável pelo que faz de si mesmo.
A orientação individualista da filosofia da existência de Kierkegaard foi renovada por Sartre que se diferencia do filósofo dinamarquês por seu ateísmo. Além de postular a liberdade como um fundamento existencial Sartre parte do princípio de que não existe nenhum Deus que tenha criado o homem e por isso o homem é o único responsável pelo que faz de si mesmo.
Marcondes (2002, p.259) enfatiza que, se para Sartre Deus não existe então torna-se necessário deduzir desta constatação todas as consequências. Sartre defende a ideia de que apesar de o homem acreditar que foi criado por Deus, é o homem que cria Deus. “Se Deus não existe – afirma Sartre em O existencialismo é um humanismo – ‘não encontramos diante de nós valores e ordens em grau de legitimar nossa conduta’. O homem é o demiurgo de seu próprio futuro” (REALE; ANTISERI, 2006, p. 226).
Sartre identifica o homem com a sua liberdade: a vida do homem não está de modo algum determinada como em uma planta, cujo futuro já está “inscrito” na semente; o homem é o artífice do seu futuro. E não há como se desculpar: somos responsáveis por nossas glórias e por nossas tragédias; se falirmos ou vencermos, falimos ou vencemos porque escolhemos a derrota ou a vitória. Ninguém nasce covarde ou herói, diz Sartre. O covarde se fez covarde, assim como o herói se torna herói. O homem escolhe livremente o seu futuro. Ele pode escolher ter ou não ter filhos, se alistar ou desertar em caso de guerra, mas não pode deixar de escolher. Não escolher já é escolher, mesmo sendo uma atitude de fuga provocada por algum medo (SARTRE, 1987 e 1997).
Assim, o existencialismo sartreano tem uma dimensão ética fundamental ao tratar da liberdade e da autenticidade como elementos centrais da existência humana. No existencialismo, a ética fundamenta-se na liberdade como fim de forma que são os indivíduos que concederão valor ao mundo porque ele não tem valor nem significado.
Uma das afirmações mais conhecidas de Sartre é que o ser humano está condenado à liberdade. Isso significa que cada pessoa pode a cada momento escolher o que fará de sua vida, sem que haja um destino previamente concebido. Para Sartre o homem foi lançado num mundo que não escolheu: não escolheu seu nome, sua classe social, sua compleição física etc. Mas, desde que foi lançado no mundo, está condenado a escolher: escolher sua vida, sua liberdade. Ao homem só resta a liberdade. E é ela que determina a escolha.
Outro aspecto central do pensamento do filósofo francês é que a realidade humana é um projeto e não pode ser definida como permanência. O homem é um ser-no-mundo, surge no mundo, e só se define a partir de sua existência, tal como a si próprio se fizer. Não há uma natureza humana que o defina. O homem é o que projeta ser. É o homem que se escolhe; a sua liberdade é incondicional e em si está o poder de mudar o seu projeto a qualquer momento. Abbagnano (2007, p. 404 – grifos do autor) destaca como no existencialismo de Sartre,
a possibilidade última da realidade humana, a sua escolha originária, é o projeto fundamental em que se inserem todos os atos e as volições de um ser humano. Tal projeto é fruto de uma liberdade sem limites, absoluta e incondicionada: de uma liberdade que faz do homem uma espécie de Deus criador do seu mundo e o torna responsável pelo mundo
Todos temos o sonho de sermos pessoas que já realizaram todas as suas potencialidades, todos os projetos. Sartre nos diz que o projeto fundamental é tornar-se um ser que já realizou tudo, mas preserva sua consciência. A liberdade é que torna possível escolher dentre todas as alternativas possíveis, aquela que vai nos levar a um caminho mais curto em direção ao projeto fundamental. Todo projeto humano contém em si um certo futuro. Se decido me casar, estou ciente de que minha decisão irá afetar uma boa parte da minha vida futura, senão a vida inteira. Se me lanço na política, crio alguma expectativa de como posso intervir na vida em sociedade ou, ao contrário, de como a vida política pode me beneficiar pessoalmente. Se sou um camponês minha vida existe em função daquilo que resolvi semear e projeto um ano inteiro de expectativa diante dos meus olhos
Obviamente as pessoas estão sujeitas a limitações e contingências. Ela não pode sobrepujar seu limite físico e escolher que a partir de agora pode voar, mas pode agir, apesar destas limitações. Sartre explica que isso não diminui a liberdade. Pelo contrário, são as limitações que tornam a liberdade possível, pois se pudéssemos realizar instantaneamente qualquer coisa que quiséssemos, nós estaríamos no universo do sonho. No mundo real, são as limitações que me impõem escolhas. Mesmo um homem preso a uma cama pode ter a liberdade de querer se curar e andar. Esta é, para Sartre, a verdadeira liberdade da qual nenhum homem pode escapar: “não é a liberdade de realização, mas a liberdade de eleição”.
“O mais importante não é o que fizeram do homem, mas aquilo que ele pode fazer, com o que fizeram dele”. Uma reflexão que representa o pensamento de Sartre está em “Nós somos o que fazemos do que fazem de nós”.
Quando Sartre fala em liberdade, é preciso ressaltar que não se trata de uma liberdade irrestrita e sem consequências. O primeiro esforço do existencialismo é o de fazer os homens compreenderem que são responsáveis pelo que fazem de sua existência, não apenas em relação a si próprios, mas em relação a todos os homens. A nossa responsabilidade, diante de nossos atos, envolve toda a humanidade e é muito maior do que podemos supor.
Cada escolha carrega consigo uma responsabilidade. Se escolho ir a algum lugar, falar alguma coisa, escrever um artigo, tenho que ter consciência de que qualquer consequência desses atos terá sido resultado de minha própria escolha. E cada escolha ao ser posta em ação provoca mudanças no mundo que não podem ser desfeitas. Não posso, segundo o existencialismo, atribuir a responsabilidade por estes atos a nenhuma força externa, ao destino ou a Deus. Em cada momento, diante de cada escolha que faço, torno-me responsável não só por mim, mas por toda a humanidade. E faço isso por minha própria escolha, para que o mundo se torne mais como eu o projetei. Eis a essência da responsabilidade segundo os existencialistas: eu, por minha vontade e escolha ajo no mundo e afeto o mundo todo. É uma responsabilidade da qual não podemos fugir.
A responsabilidade por todo o mundo é um fardo pesado para qualquer pessoa. A angústia existencial decorre da consciência de que são as escolhas dessa pessoa que definem o que ela é ou se tornará. E também por saber que estas escolhas podem afetar, de maneira irreparável, o próprio mundo. A “angústia” decorre portanto, da consciência da liberdade e do receio de usar essa liberdade de forma errada. Não há nada fora de nós que define nosso próprio futuro. Apenas nossa liberdade.
O Grito (1893), de Edvard Munch
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Acesso em 25/02/2017
Quando o homem se reconhece como um ser aberto à construção de sua própria existência se reconhece como “condenado a ser livre” e então, experimenta a angústia da escolha. O homem é livre e responsável pelos seus atos. A angústia é uma consequência de experimentar essa liberdade, mas não apenas, a angústia é também a experiência do nada, experiência de ser-para-morte, uma vez que a morte é algo que acontece sem que possamos evitá-la e interrompe a realização dos nossos projetos. Além do que, há ainda a náusea, que é o sentimento que nos invade quando descobrimos a contingência e o absurdo do real.
Além disso, as outras pessoas são fontes permanentes de contingências. Todas as escolhas de uma pessoa levam à transformação do mundo para que ele se adapte ao seu projeto. Mas cada pessoa tem um projeto diferente, e isso faz com que as pessoas entrem em conflito sempre que os projetos se sobrepõem. O homem por si só não pode se conhecer em sua totalidade. Só através dos olhos de outras pessoas é que alguém consegue se ver como parte do mundo. Sem a convivência, uma pessoa não pode se perceber por inteiro. Cada ser humano se reconhece na figura do outro. Cada pessoa, embora não tenha acesso às consciências das outras pessoas, pode reconhecer neles o que têm de igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Por mim mesmo não tenho acesso à minha essência, sou um eterno “tornar-me”, um “vir-a-ser” que nunca se completa. Só através dos olhos dos outros posso ter acesso à minha própria essência, ainda que temporária. Só a convivência é capaz de me dar a certeza de que estou fazendo as escolhas que desejo. Daí vem a ideia de que “o inferno são os outros”, ou seja, embora sejam eles que impossibilitem a concretização de meus projetos, colocando-se sempre no meu caminho, não posso evitar sua convivência. Sem eles o próprio projeto fundamental não faria sentido.
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bossi. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ARONSON, Ronald. Camus e Sartre: o polêmico fim de uma amizade no pós-guerra. Tradução de Caio Liudvik. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
BEAUFRET, Jean. Introdução às filosofias da existência. São Paulo: Livra Duas Cidades, 1976.
CALADO, Eliana Alda de F. Autobiografias de Simone de Beauvoir: sujeito, identidade, alteridade. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História. Universidade de Brasília. Brasília, 2012.
DENIS, Benoît. Literatura e Engajamento: de Pascal a Sartre. São Paulo: EDUSC, 2002.
GARCIA, Marco A. Simone de Beauvoir e a política. Cadernos Pagu, (12), p. 79-91, 1999. Acesso em 27/03/2017.
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Petrópolis: Vozes, 1997.
HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru: EDUSC, 2001.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 7. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
REALE, G.; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção História da Filosofia).
RIBEIRO, Renato Janine. O intelectual e seu outro: Foucault e Sartre. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, 7(1-2): 163-173, out./1995. Acesso em 23/02/2017.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução Rita Correia Guedes. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores).
____. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 13. ed. revista. Petrópolis: Vozes, 1997.
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