Social Democracia
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em ago. 2016
A social democracia constitui um modelo de organização política e econômica que concorda, em parte, com as ideologias de esquerda, ao admitir que o modo de produção capitalista tem suas falhas e deficiências. Mas por outro lado não acredita que o capitalismo possa ser eliminado e o melhor que se pode fazer é compensar suas deficiências, defendendo a possibilidade de um capitalismo humanizado pela ação consciente de forças políticas (como eleições e reformas políticas). Eis como podemos situar a social democracia a partir da análise de um espectro político ideológico esquerda-direita:
(FEIJÓ, 2007, p. 120).
Por outro lado a social democracia considera as instituições liberal democráticas (ideologia de centro-direita) insuficientes para garantir uma efetiva participação popular no poder e, nas palavras de Domenico Settembrini, “[...] tolera o capitalismo, na medida em que, diferindo nisso do socialismo revolucionário, considera os tempos ainda ‘não amadurecidos’. para transformar as primeiras e abolir radicalmente o segundo” (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 1188). A social democracia luta em duas frentes, de acordo Settembrini: contra o reformismo burguês e contra o aventureirismo revolucionário. Por seu posicionamento político ideológico a social democracia é considerada um regime de centro-esquerda. Os social democratas tentam reformar o capitalismo democraticamente, através de regulação estatal e da implantação de programas políticos que diminuam as injustiças sociais inerentes ao capitalismo. A democracia e, mais especificamente a democracia representativa, pelo menos na primeira metade do século XX, tornou-se meio e fim para os social democratas: “o veículo para o socialismo e a forma política da futura sociedade socialista, simultaneamente a estratégia e o programa, instrumental e pré-figurativo” (PRZEWORSKL, 1988, p. 50). Abaixo vemos algumas características da social democracia.
Adaptado de: Blog O tempo da História
Acessado em 16/07/2016
Przeworskl (1988) destaca como os países europeus lentamente abandonaram o programa radical de estatização e nacionalização da atividade econômica e dos bens de produção, seja na Itália ou Espanha, Áustria, Grã Bretanha ou França. A social democracia trocou a abolição da propriedade privada dos meios de produção pela cooperação do capital em aumentar a produtividade e promover uma melhor distribuição dos ganhos. O Estado desenvolveu atividades econômicas próprias, mas nada que pudesse ser comparado ao ideal comunista de coletivização da propriedade privada. Os social democratas se comprometeram tanto com a livre empresa, quanto com a propriedade pública, como instrumentos de política econômica. Nesse cenário europeu, as empresas estatais estiveram
[...] limitadas a instituições de crédito, carvão, ferro e aço, produção e distribuição de energia, transporte e comunicação. Fora esses setores, apenas as companhias ameaçadas de falência, com consequente diminuição de empregos, passam às mãos públicas [...] O estado ocupa-se das atividades econômicas necessárias à economia como um todo e vende seus produtos e serviços principalmente para empresas privadas. Estas, por sua vez, vendem aos consumidores. Assim, o estado não compete com o capital privado e sim fornece os inputs necessários ao funcionamento lucrativo da economia como um todo (PRZEWORSKL, 1988, p. 74).
Dentro do sistema capitalista, o regime social democrata procurou se adaptar da seguinte maneira: controlado atividades econômicas não lucrativas porém necessárias; regulando o setor privado; e atenuando, através de políticas sociais, os efeitos de operação do setor privado. Com a social democracia se adotou a concepção de que seria possível regular a economia capitalista, de que o mercado pode ser direcionado induzindo e alocando recursos da maneira desejada pela sociedade.
Ao adotar esse modelo, a social democracia mantém como horizonte a ideia de que o Estado deve intervir na economia para que haja justiça social, mas também guiado pelo critério da eficiência. Uma eficiente alocação de recursos sem necessariamente a transformação do sistema econômico, mas corrigindo os efeitos de sua operação. E aqui a social democracia se deparou com um novo obstáculo: “as empresas que entraram para o setor público foram as mais ineficientes dentro do critério capitalista e agora aparentam ser ineficientes justamente por serem públicas” (PRZEWORSKL, 1988, p. 76). E embora esse não seja o modelo de atividade econômica ideal como querem os socialistas mais ortodoxos, a social democracia teve pelo menos o mérito de fortalecer a atividade estatal no mercado atenuando os efeitos distributivos da sua operação.
Mas para entendermos corretamente o modelo da Social Democracia
[...] não podemos esquecer que esta ideologia política nasceu de uma divisão no campo das esquerdas. Acontece que, depois da morte de Marx, as organizações políticas marxistas se dividiram em duas visões diferentes a respeito do processo de transição do capitalismo para o socialismo, gerando dois grupos políticos: os socialistas revolucionários e os socialistas social-democratas (SELL, 2006, p. 70).
Essa divisão ocorreu em 1918, a partir da fundação da III Internacional. Mas Settembrini (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998) aponta as origens da social democracia a um período ainda anterior, por volta de 1875, no Congresso de Gotha, onde teríamos a primeira experiência social democrática que aconteceu na Alemanha.
No que diz respeito à divisão que ocorreu a partir da fundação da III Internacional em 1918, esta teve como base o modo de como se poderia chegar a uma “sociedade sem classes”. Os socialistas revolucionários (organizados em torno da III Internacional) são mais ortodoxos e defendem a doutrina marxista em sentido restrito, acreditando que só através da revolução e da organização do proletariado é possível chegar ao poder do Estado e, por fim, ao comunismo, quando o proletariado, depois de assumir o poder estatal e criando as condições sociais necessárias, daria fim à propriedade privada promovendo a coletivização de todas as forças produtivas. Já os social democratas (organizados em torno da II Internacional) acreditavam que a via para chegar ao poder do Estado passa pela conquista do poder através da participação política partidária do proletariado através de eleições democráticas. Uma vez no poder, os partidos operários (apoiados pelos votos de sua categoria), adotariam um programa de reformas políticas que fosse eliminando gradativamente os fundamentos da sociedade capitalista e criando as condições necessárias para uma sociedade socialista. Por um lado, o argumento utilizado por alguns social democratas para abandonar o método revolucionário parecia ser coerente: um movimento democrático que se vale de métodos autoritários para conseguir seus objetivos não é democrático e dificilmente permanecerá como um movimento democrático. Por outro lado, os socialistas revolucionários condenam os reformistas por achar que uma ação não revolucionária condena o movimento a uma contínua impotência política, dada as condições políticas e sociais burguesas que fundamentam o capitalismo.
A social democracia não rejeita o marxismo. Ao contrário, originou-se de raízes inteiramente marxistas. Mas não aceitam todas as consequências oriundas do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. Já os socialistas revolucionários rechaçam fortemente esta posição, pois acreditam que qualquer tentativa de reformar o capitalismo está fadada ao fracasso. Os nomes de pensadores como Karl Kautsky e Eduardo Bernstein estão associados à origem da social democracia. Enquanto que Lenin e Rosa Luxemburgo consideram a social democracia como manifestação de um capitalismo burguês e reacionário. Ainda mais radicais, os anarquistas entendiam que aqueles que defendiam “a consideração especial de uma melhoria da situação dos trabalhadores dentro da sociedade capitalista” (PRZEWORSKL, 1988, p. 42) não eram verdadeiros socialistas.
O melhor exemplo que temos da distinção entre o modus operandis que se processou dentro do socialismo foi a revolução Russa de 1917: a maior conquista dos socialistas revolucionários. Já os partidos social democratas podem ser melhor entendidos a partir da principal realização na vida política que lhes é atribuída: a construção do Estado do Bem-Estar Social, que veremos mais adiante.
Estado do Bem-Estar Social
Glória Regonini define o Estado do Bem-Estar Social ou, como também é conhecido Welfare State, como um “Estado que garante ‘tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade mas como direito político’” (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 416). Argelina Figueiredo (1997, p. 97-98) aponta alguns aspectos que são comuns às diversas definições de Welfare State: referência à ação e intervenção do Estado na organização e implementação de políticas sociais e uma relação entre o Estado e mercado com intervenção do primeiro nas ações do segundo. A autora distingue pelo menos três modelos de Welfare State, de acordo com o quadro ao lado (1997, p. 99):
De modo geral, o Estado do Bem-Estar Social era o programa político dos social democratas para administrar o Estado em prol da classe trabalhadora. Longe de propor uma mudança drástica na economia, com uma estatização coletiva das empresas, o programa previa benefícios e proteção social aos trabalhadores: “com os social-democratas no poder, a idéia de que o Estado deve garantir a igualdade entre os indivíduos passou a ser vista como um direito do cidadão” (SELL, 2006, p. 73), administrando o capitalismo, adotando um modelo de Estado intervencionista, em prol dos trabalhadores, com um programa econômico de controle do Estado sobre o mercado e um programa social que assegurasse direitos sociais básicos, como saúde, educação, previdência social, proteção contra o desemprego, entre outros.
Disponível em: Slideshare, slide 29 (Acessado em 16/07/2016)
De fato, os social-democratas haviam conseguido realizar seu principal objetivo no poder: humanizar o capitalismo e colocá-lo a serviço dos trabalhadores. Porém, como consequência de todo este processo, os social-democratas abandonaram seu objetivo inicial: a construção do socialismo. Com a melhoria das condições econômicas e sociais, os trabalhadores acabaram se adaptando ao sistema capitalista e deixaram de lutar pela derrubada da exploração capitalista (SELL, 2006, p. 74).
A social democracia passou a adotar o princípio de que o capitalismo não pode ser superado e por isso deve ser reformado ou humanizado, a partir da ação do Estado, que deve garantir o equilíbrio entre o mercado e os benefícios sociais. É nesse sentido que podemos dizer que a social democracia adotou um modelo de práxis reformista e não revolucionária. Settembrini (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998) aponta pelo menos três fatores pelos quais os social democratas rejeitaram uma práxis revolucionária: a violência imposta pelos comunistas contra os partidos socialistas da Europa Oriental; a capacidade do sistema capitalista recuperar-se, embora tantas vezes pareça chegar ao fim; e as experiências fracassadas de uma economia planificada e abolição integral da propriedade privada. Por isso a social democracia procura atingir seus objetivos a partir de uma colaboração institucionalizada e permanente entre o Estado, as empresas e sindicatos de trabalhadores. A colaboração substitui o modelo de “luta de classes”.
Glória Regonini (1998) aponta os anos 20 e 30 do século XX como aqueles que deram um grande passo para a constituição do Welfare State. As duas grandes guerras promovem uma intervenção maciça do Estado nas relações de produção e distribuição. Além disso, a crise 1929 que gerou fortes tensões sociais obrigou os Estados a realização de políticas assistenciais. “Mas é preciso chegar à Inglaterra dos anos 40 para encontrar a afirmação explícita do princípio fundamental do Welfare state: independentemente da sua renda, todos os cidadãos, como tais, têm direito de ser protegidos” (REGONINI apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 417 – grifo da autora). Nesse mesmo período da década de 1930, Desmond King destaca que pelo menos doze países europeus haviam implementado elementos centrais do sistema de seguridade social:
Seguro contra acidente, auxílio-doença, previdência aos idosos e segurodesemprego; essas medidas foram introduzidas aproximadamente em 1914, 1923, 1922 e 1930, respectivamente. Assim, por volta dos anos 30, passos fundamentais rumo à perspectiva e aplicação do estado de bem-estar moderno estavam estabelecidos (1988, p. 59).
Ricardo Feijó aponta a Holanda e a Suécia como os países europeus onde a social democracia mais se aproxima do ideal de um estado de bem-estar social. Ambos “cobram altos impostos dos seus cidadãos e oferecem, em troca, bons programas sociais extensivos à quase totalidade do público qualificado” (2007, p. 131). Também se enquadram nesse modelo os países que fizeram parte do “socialismo real”, os antigos países comunistas da Europa Oriental, Rússia e até mesmo a China: países que romperam com o dogma da propriedade coletiva dos meios de produção, introduziram o livre mercado e a propriedade privada, mas mantiveram o regime de tipo socialista. Dentre os autores que se dedicaram a reflexão sobre a social democracia europeia temos Desmond King (1988), a obra organizada por W. Mommsen (1981) que desenvolveu uma análise do estado de bem-estar contemporâneo considerando o que o autor chama de democracias industriais avançadas, além de H. Milner (1990) e G. Myrdal (1960).
Robert Castel (2005), Francisco Branco e Inês Amaro (2011) analisam o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social intimamente ligado ao desenvolvimento do Serviço Social e como a expansão do Serviço Social no pós guerra de 1945 se deu em um contexto de desenvolvimento do “Estado providência” e de políticas sociais. Ana Luiza Viana (1997) afirma que as políticas sociais são a expressão da intervenção estatal do chamado Welfare State nos países de capitalismo avançado, considerando o Welfare State como uma oferta de proteção governamental para melhoria dos níveis de renda, alimentação, saúde, educação e habitação.
Nesse sentido, poderíamos apontar uma outra face do Estado de bem-estar social, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1960, como sendo um projeto de expansão adotado pelo próprio capitalismo, e não mais oriundo das bases socialistas, após a tensão social, política e econômica do período entre guerras.
Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social, entre as décadas de 1940 e 1960, ficou conhecido como “era dourada do capitalismo” por ser um momento de desenvolvimento econômico, com garantias sociais e oferecimento, praticamente, de emprego pleno para a maioria da população nos países mais desenvolvidos. A expansão industrial, mesmo que com índices diferenciados, tanto acontecia nos países capitalistas como nos socialistas (VICENTE, 2009, p. 124).
Contribuiu ainda para o fortalecimento da ideologia neoliberal e capitalista, a imagem de mau administrador da economia, de não eficiência e inoperância por parte do Estado, constituindo um empecilho para o progresso econômico, advogando a implantação de um capitalismo livre de regras e das pressões sociais vinda dos operários. Como consequência, a década de 1970 verá ocorrer transformações importantes na conjuntura econômica, política e social, ao que poderíamos chamar de um período de pós-Estado de bem-estar social.
Encerrou-se um extenso período de governo centrista e moderadamente social-democrata [...]. Governos da direita ideológica, comprometidos com uma forma extrema de egoísmo comercial e laissez-faire, chegaram ao poder em vários países por volta de 1980. (HOBSBAWM, 1995, p.245 apud VICENTE, 2009, p. 126-127).
O modelo capitalista e a nova economia de mercado ganha ainda mais força com o fenômeno da globalização. A expansão de empresas transnacionais (transnacionalização), o desenvolvimento dos sistemas financeiros propiciados pelo desenvolvimento das tecnologias modernas, a ideia de um mercado livre global onde as empresas transnacionais adquirem proeminência sobre a economia nacional: “Globalizaram-se as instituições, os princípios jurídico-políticos, os padrões socioculturais e os ideais que constituem as condições e produtos civilizatórios do capitalismo” (IANNI, 1995, p.47-8 apud VICENTE, 2009, p. 128). E esse processo, é claro, afeta os modelos do Welfare State sendo alvo de crítica dos neoliberais “em sua defesa do Estado mínimo e das liberdades de escolha individual e do próprio mercado, como elementos centrais na busca, para eles, da igualdade com equilíbrio” (VIANA, 1997, p. 202), que não prioriza a intervenção estatal como forma de solucionar o problema das desigualdades sociais.
Maria Lúcia Werneck Vianna (1997) problematiza o fato de que a globalização da economia não pode ser considerada como uma variável explicativa por excelência do Welfare State, o que tornaria a crise do Estado de Bem-Estar Social irremediável, implicando em uma tendência irreversível deste modelo.
Não se trata de desconhecer as adversidades que hoje saturam as pautas do Welfare State. A globalização dos mercados de capitais reduz, com efeito, a possibilidade de utilização, por parte dos governos nacionais, de alguns instrumentos cruciais de política econômica, impondo constrangimentos às políticas sociais [...] No entanto, a despeito de tantas vicissitudes, os dados fornecidos por organismos internacionais abalizados não autorizam os vaticínios alarmantes contidos nestas conexões (1997, p. 158)
O que é possível constatar a partir dos dados apresentados pela autora do aumento de transferência de recursos em porcentagens do PIB para políticas sociais e dos gastos governamentais de países como a Inglaterra, Alemanha, Suécia e até mesmo dos Estados Unidos da América, na década de 1990.
Se por um lado observamos um aumento e fortalecimento das ideologias neoliberais, por outro vimos também a necessidade de fortalecer o debate sobre o papel do Estado através de regulação estatal e da implantação de programas políticos que diminuam as injustiças sociais inerentes ao capitalismo, e que tendem a se intensificar com o modelo de um mercado global, o que torna ainda vivo o debate trazido à luz pela social democracia: é possível compensar as deficiências do sistema capitalista, que ganhou novas dimensões com a globalização, pela ação consciente de forças políticas e através do papel do Estado, como regulador das relações políticas, econômicas e sociais? O debate permanece em aberto.
O fato é que a globalização trouxe consequências para as políticas sociais. Até que ponto são extensivas tais consequências é que ainda está por ser descoberto, mas disso não resulta que devemos prognosticar o desmonte ou o fim do Welfare State. “O Estado de Bem-Estar Social, portanto, continua a ser uma referência decisiva na concretização dos direitos de cidadania” (VIANA, 2007, p. 166).
Referências Bibliográficas
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