Capitalismo
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2014
Não há consenso sobre a definição exata do capitalismo, nem como o termo deve ser utilizado como categoria analítica. O problema de se definir o capitalismo é apontado, por exemplo, por Gian Enrico Rusconi no Dicionário de Política:
Na cultura corrente, ao termo Capitalismo se atribuem conotações e conteúdos freqüentemente muito diferentes, reconduzíveis todavia a duas grandes acepções. Uma primeira acepção restrita de Capitalismo designa uma forma particular, historicamente específica, de agir econômico, ou um modo de produção em sentido estrito, ou subsistema econômico [...] Uma segunda acepção de Capitalismo, ao invés, atinge a sociedade no seu todo como formação social, historicamente qualificada, de forma determinante, pelo seu modo de produção (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 141)[1].
De maneira geral há pouca controvérsia que a propriedade privada dos meios de produção é um fator determinante para definir o capitalismo[2]. Alguns economistas definem o capitalismo como um sistema onde todos os meios de produção são de propriedade privada. Outros entendem que apenas a “maioria” dos meios de produção está em mãos privadas e há ainda aqueles que se referem a esta última definição como uma economia mista com tendência para o capitalismo. Mas a maioria dos economistas concordam que o capitalismo é um sistema econômico que funciona de modo bem diverso dos sistemas econômicos anteriores e dos sistemas econômicos contemporâneos não-capitalistas.
Podemos entender assim o capitalismo como um sistema sócio-econômico em que os meios de produção (terras, fábricas, máquinas) e o capital são de propriedade privada e com fins lucrativos, ou seja, como o próprio nome sugere, o capitalismo também se refere ao processo de acumulação de capital. Além da propriedade privada dos meios de produção e do processo de acumulação de capital podemos identificar ainda algumas outras características fundamentais do capitalismo, como um sistema de mercado baseado na iniciativa privada e a compra e venda da força de trabalho assalariado.
Como sistema econômico, político e social, o capitalismo surgiu muito lentamente, num período de vários séculos (o capitalismo se tornou dominante no mundo ocidental depois da queda do feudalismo), primeiro na Europa Ocidental e, depois, em grande parte do mundo. Os historiadores identificam alguns fatores que determinaram a transição do feudalismo para o capitalismo como a expansão comercial, o crescimento das cidades, a luta de classes e o momento em que os pequenos produtores mercantis transformaram-se em capitalistas, com ênfase no papel da burguesia neste processo. Além disso, dividem o processo de desenvolvimento do Capitalismo em algumas fases. Seriam elas:
- Capitalismo Comercial ou mercantil: consolidou-se entre os séculos XV e XVIII. É o período também chamado de mercantilismo que foi um sistema de comércio com fins lucrativos e durante aproximadamente três séculos foi a prática econômica principal adotada pelos países europeus;
- Capitalismo Industrial: Foi a época da Revolução Industrial por meio da qual o capitalismo industrial marcou o desenvolvimento do sistema fabril de produção, caracterizado por uma complexa divisão do trabalho firmando o modo de produção capitalista; neste aspecto podemos dizer que o capitalismo é um processo que vai da mercantilização à industrialização dependentes de uma “sociedade de mercado”[3];
- Capitalismo Financeiro: a fase do sistema capitalista caracterizada pelo crescimento da especulação financeira (com participação ativa dos bancos na atividade econômica que se tornaram os maiores financiadores das empresas por meios de empréstimos ou investimentos diretos) em torno de ações de empresas, juros, títulos de dívidas e outras formas de crédito que se transformaram em mercadorias, sendo comercializadas como tais; a bolsa de valores (onde são negociadas as ações e os investimentos em empresas e por empresas) pode ser considerada o marco desse processo e também representa a maior crise da história do capitalismo com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929.
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O capitalismo vem sofrendo modificações desde a Revolução Industrial até hoje e não há como negar que foi com a Revolução Industrial que o capitalismo ganhou um forte impulso, primeiro na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII e, posteriormente, na França, Estados Unidos da América e Alemanha.
No seu clássico Problemas de história do Capitalismo (1946), Maurice Dobb assim sintetiza esta fase: “A Revolução Industrial representa um momento de transição de uma fase primitiva e ainda imatura do Capitalismo [...] para a fase em que o Capitalismo, com base na transformação técnica, atingiu a realização de seu específico processo produtivo, fundado na fábrica como unidade coletiva de produção de massa [...]” (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 154)
Vemos assim que a Revolução Industrial deu origem a uma sociedade de mercado com a invenção de máquinas complexas (que produzem grandes quantidades de mercadorias e uma maior escala de produção), convertendo a humanidade e a natureza em mercadorias, influenciando o desenvolvimento do capitalismo com os avanços e progressos tecnológicos e, segundo Karl Polanyi[4] “a expansão dos mercados caminha de mãos dadas com o progresso tecnológico na produção do capitalismo industrial moderno” (apud WOOD, 2001, p. 34).
Disponível em: SLIDEPLAYER, slide 1 (Acessado em 02/11/2015)
Sobre a origem do capitalismo
Alguns autores veem a origem do capitalismo em uma certa tendência natural do ser humano para estabelecer relações de troca, permuta e, consequentemente, o comércio. As relações de troca existem desde os tempos mais remotos, sendo o capitalismo o “estágio mais elevado” do progresso da humanidade, representando o amadurecimento de tais práticas comerciais e relações econômicas de troca desde a mais alta antiguidade. “Esses atos tornaram-se cada vez mais especializados com a evolução da divisão do trabalho, que também foi acompanhado de aperfeiçoamentos técnicos nos instrumentos da produção” (WOOD, 2001, p. 22).
Além disso o capitalismo também esté associado com o surgimento das cidades, dedicadas ao comércio e dominadas por uma classe de habitantes de burgos (ou burgueses) que adquiriam cada vez mais autonomia em relação ao poder político dominante da aristocracia feudal.
Esta libertação da economia urbana, da atividade comercial e da racionalidade mercantil, acompanhada pelos inevitáveis aperfeiçoamentos das técnicas de produção que decorrem, evidentemente, da emancipação do comércio, aparentemente bastou para explicar a ascenção do capitalismo moderno (WOOD, 2001, p. 23).
Além dessa visão de que o capitalismo é o resultado de um desenvolvimento natural das relações de troca entre os seres humanos, Ellen Wood defende a perspectiva (marxista) de que o capitalismo surge em condições sociais e “historicamente específicas, constituídas pela ação humana e sujeitas a mudanças” (WOOD, 2001, p. 35). O Capitalismo não seria, como querem alguns, o resultado de um determinismo natural ou um processo natural imutável.
A origem agrária do capitalismo
Nas análises de Ellen Wood o capitalismo não se desenvolveu apenas nas cidades (com suas práticas de intercâmbio ou comércio e desde que a tecnologia permitiu a produção de excedentes suficientes). “Segundo essa visão, o que explica o desenvolvimento do capitalismo no Ocidente é a autonomia singular de suas cidades e de sua classe quintessencial – os burgueses” (WOOD, 2001, p. 76).
Naturalmente, a expansão do comércio urbano provocou o amadurecimento do capitalismo mas o capitalismo também surgiu no meio rural, no trabalho com a terra (agriculttura), com a divisão dos que trabalhavam a terra e os que se apropriavam do trabalho alheio.
O que carateriza uma sociedade como capitalista não é tanto o fato de sua produção ser urbana ou rural, mas a partir das relações entre produtores e apropriadores, cujo trabalho excedente é apropriado por meios econômicos, seja na indústria ou na agricultura. E, no caso da ideia em questão, sobre a origem agrária do capitalismo, um conceito específico parece sustentar esta ideia: a de melhoramento agrário. O melhoramento agrário foi uma ideia que se desenvolveu principalmente na Inglaterra e tinha um objetivo bastante claro: tornar a terra produtiva e lucrativa, tornar terras abandonadas cultiváveis, propriedades rurais maiores e mais concentradas além de um uso produtivo da terra.
A partir destas ideias, as condições do capitalismo agrário “criaram uma força de trabalho não agrícola potencial e um mercado potencial de massa para bens de consumo baratos, como alimentos e produtos têxteis, os quais foram condições necessárias para o desenvolvimento do capitalismo industrial” (WOOD, 2001, p. 58).
O capitalismo agrário inglês é definido em torno de uma tríade: “latifundiários que viviam da renda capitalista da terra, arrendatários que viviam do lucro, trabalhadores que viviam do salário” (WOOD, 2001, p. 102). O capitalismo dependeu da existência de um proletariado de massa (trabalhadores assalariados) e da existência de arrendatários-produtores dependentes do mercado. A dependência do mercado (de produtores a apropriadores) foi a causa da proletarização das massas e do desenvolvimento do capitalismo. “Em outras palavras, a dinâmica específica do capitalismo já estava instaurada na agricultura inglesa antes da proletarização da força de trabalho” (WOOD, 2001, p. 103). Além disso, “as ‘leis de movimento’ econômicas nascidas na Inglaterra rural transformaram as antigas regras de comércio e criaram um tipo inteiramente novo de sistema mercantil” (WOOD, 2001, p. 106). Um sistema que se dedicava à produção de alimentos e produtos têxteis tanto quanto à produção de bens do cotidiano para consumo próprio. Um mercado interno de bens de consumo primários cada vez maior para os meios de sobrevivência e um mercado de massas, gerando uma riqueza criada pelo capitalismo agrário. “O capitalismo agrário foi a raiz do desenvolvimento econômico britânico [...] A longo prazo, as consequências do capitalismo agrário inglês para o desenvolvimento econômico posterior devem ser bastante óbvias” (WOOD, 2001, p. 108 e 109). Foi a partir do desenvolmento deste capitalismo agrário (transformação das relações de propriedade, setor agrícola produtivo de alimentos e produtos têxteis, força de trabalho assalariada, mercado de consumo) que a Inglaterra se transformou na primeira economia industrializada da Europa, dando orige, portanto, ao capitalismo industrial: “No mínimo, o capitalismo agrário possibilitou a industrialização” (WOOD, 2001, p. 110).
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998. Vol. I.
WOOD, Ellen Meiksins. A Origem do Capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
[1] O verbete “capitalismo” do Dicionário de Política foi escrito por Gian Enrico Rusconi.
[2] Uma característica definidora do capitalismo é, sem dúvida, a propriedade privada dos meios de produção. Isto significa que a sociedade dá a certas pessoas o direito de determinar como matérias-primas, ferramentas, maquinaria e edifícios destinados a produção devem ser usados. Disso resulta que muitos produtores não são proprietários dos meios necessários para a execução de sua atividade produtiva. A propriedade se concentra nas mãos de um pequeno segmento da sociedade – os capitalistas. Assim, a propriedade dos meios de produção é a característica do capitalismo que confere a classe capitalista o poder pelo qual controla o excedente social, estabelecendo-se, a partir daí, como classe social dominante.
[3] No modo de produção capitalista tudo é mercadoria produzido para o mercado. O capital e o trabalho dependem do mercado. Os trabalhadores dependem do mercado para vender sua mão de obra. Os capitalistas dependem do mercado para comprar os meios de produção e realizar seus lucros, vendendo o que é produzido pelos trabalhadores. A produção para o mercado transformou-se em capitalismo com sua expansão e, por isso, podemos dizer que o motor do desenvolvimento capitalista é a expansão da produção de mercadorias e que o mercado determina e regula as relações sociais. A grande questão neste aspecto é saber em que momento “produtores e apropriadores, assim como as relações entre eles, passaram a ser tão dependentes do mercado?” (WOOD, 2001, p. 79).
[4] Historiador, econômico e antropólogo, autor do livro A Grande Transformação (1944).
Capitalismo
Trabalho
Veja Também:
1. Criptomoedas
2. O Livro Fronteiras de Saberes traz uma discussão no capítulo 12 sobre A transmutação das formas de trabalho na Amazônia Brasileira (1616 a 1750) e a acumulação do capital na Europa. O livro está disponível para download através do link: Fronteiras de Saberes.
3. O Livro Fazendo Antropologia no Alto Solimões traz uma discussão no capítulo 9 sobre Trabalho precário e trabalhadores brasileiros e peruanos na fronteira Brasil/Peru. O livro está disponível para download através do link: Fazendo Antropologia no Alto Solimões.
4. O Livro Epifanias da Amazônia traz algumas discussões sobre trabalho na Amazônia nos capítulos 11, 12 e 13, respectivamente: Um olhar interpretativo: o trabalho e o trabalhador dos galpões de boi-bumbá de Parintins; Trabalho e labor a festa de São Miguel em Parintins, Amazonas; Mulheres invisíveis: o trabalho das pescadoras de camarão no Baixo Amazonas. O livro está disponível para download através do link: Epifanias da Amazônia.