Pesquisa Social e Epistemologia

 

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jan. 2017

            A discussão sobre a epistemologia e os métodos de pesquisa é tema complexo e multifacetado. Classicamente, as epistemologias do positivismo, fenomenologia e dialética tem balizado a discussão no campo das ciências humanas e sociais. Desta forma, podemos dizer que temos hoje três grandes paradigmas de interpretação da realidade, resultantes de três grandes correntes do pensamento ocidental: o positivismo de Auguste Comte, a fenomenologia de Edmund Husserl e a dialética marxista que, como o próprio nome indica, toma como base o pensamento de Karl Marx.

            A corrente geral do positivismo pretendeu representar todo o anseio humano de rigor, racionalidade instrumental e eficácia, envolvendo o chamado positivismo clássico do século XIX, de inspiração experimentalista e modelo de ciência na física newtoniana, e que recebe novo alento no século XX com o neopositivismo, de inspiração lógica e que tem como modelo a física einsteiniana. As projeções desse pensamento nas ciências se fizeram sentir de diferentes maneiras como o behaviorismo na psicologia, a pedagogia tecnicista, o positivismo jurídico, a sociologia funcionalista, etc.

            Uma outra grande corrente, ainda multifacetada e heterogênea, compondo variadas vertentes do pensamento filosófico é a dos métodos compreensivos (porque almejam uma compreensão interna do objeto), onde se destacam principalmente o método fenomenológico e o etnográfico. Nessa visão de mundo, principalmente na concepção da fenomenologia, são privilegiados conceitos mais humanizados, como intencionalidade do sujeito na apreensão do objeto, vivência, e redução à essência; e concepções mais aplicáveis ao objeto social-histórico, como a de que a consciência não existe separada dos objetos, posto que é sempre consciência de alguma coisa (que lhe dá significado), e que o objeto deve ser compreendido pelo desvelamento de sucessivos perfis, de variadas perspectivas.

            A terceira grande corrente geral de interpretação da realidade é a dialética. A dialética visa alcançar a dinâmica histórica do real, do objeto em todos os seus aspectos, em seu contínuo movimento, explicável pelas leis da dialética jamais em uma visão estática e unilateral. Além disso se apresenta incabível uma concepção de ciência neutra e apolítica, muito pelo contrário, o método dialético, em sua feição técnica mesmo, sempre conclui pelo posicionamento claro do pesquisador, esclarecendo as intenções, conscientes ou não, implícitas ou não, que, no caso da pesquisa social, serão sempre parte do objeto de estudo (porque histórico).

            Para aprofundar a discussão em torno de cada uma destas epistemologias veja o texto: Epistemologia e Ciências Sociais/Política.

 

A Pesquisa Social

            O conhecimento é fruto da curiosidade, inquietação e atividade investigativa dos indivíduos. A pesquisa é, assim, a estrada a percorrer para auxiliar o ser humano a apropriar-se do conhecimento e satisfazer essa gama de curiosidade natural. É uma atividade de interesse imediato e continuado e se insere numa corrente de pensamento acumulado. De forma geral, a pesquisa pode ser definida como uma indagação ou busca minuciosa para averiguação da realidade. Uma investigação e estudo sistemático com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qualquer do conhecimento.

            O processo de produção do conhecimento sobre o mundo social passa necessariamente pela reelaboração daquilo que vemos, na forma de representações. Ou seja, para tentar compreender o mundo, é preciso num primeiro momento desconstruí-lo, assim como o faz o mecânico de automóveis que para compreender seu “objeto”, qual seja, o motor, precisa desmontá-lo para depois remontá-lo, agora munido de um saber enriquecido pela práxis. Assim, o cientista social ao deparar-se com seu “objeto”, precisa desenvolver uma atitude crítica de forma a “desmontar” este “objeto”, na forma de categorias conceituais, buscando o seu entendimento, também enriquecido pela práxis. Portanto, nesse movimento de ir e vir, produzir conhecimento científico significa fazer aproximações conceituais, de modo a compreender o objeto em sua pujança e movimento.

            O estudo dos fenômenos sociais tem demonstrado que estes não podem ser observados pela ótica da simples análise, pois os fatos da vida social acontecem de maneira inextricável, ficando difícil isolar as variáveis envolvidas. É a partir da interrogação e de toda a teoria acumulada que se vai construindo o conhecimento sobre o fato pesquisado. O trabalho do pesquisador vai revelando o conhecimento específico, mas esse trabalho vem carregado com todas as peculiaridades do pesquisador, inclusive e principalmente as suas definições políticas; assim, o ato de pesquisar é um ato político, sendo impossível estabelecer uma separação nítida e asséptica entre o pesquisador e o objeto pesquisado.

         No que tange as ciências sociais estas podem ser reconhecidas como as “debutantes” das ciências modernas. A constituição das ciências humanas e sociais data dos séculos XVII a XIX, momento no qual a sociedade europeia passava por profundas mudanças. Tais mudanças colocaram no plano da análise científica um conjunto de fenômenos (sociais, culturais, etnológicos, psicológicos), fundamentais para a compreensão dos processos sociais e da organização da nova sociedade que emergia. Qual é o campo do conhecimento que pode ser característico de tais ciências? Tais ciências têm em comum o fato de ter como objeto de conhecimento (estudo e pesquisa) o homem em suas várias dimensões (história, sociologia, psicologia, etnologia, política etc).

            Diante destas considerações iniciais podemos então entender por pesquisa social a construção de conhecimento que tem como objeto o sócio-histórico, um mundo dinâmico onde a consciência do passado se faz presente em cada conceito que se reconstrói e se re-significa em cada momento e em cada espaço social. Por conseguinte, o pesquisador social é um sujeito-cognoscente que constrói conhecimento sobre um sujeito-objeto, que, por sua vez, é um objeto construído socialmente, culturalmente, historicamente. Isso nos coloca no cerne do problema prático do método: qual o método adequado à produção de conhecimento no campo do social histórico?

            De fato, é uma situação difícil a de quem se depara com a necessidade de utilizar-se de um método para a obtenção de um conhecimento fundamentado na área social e, evidentemente, busca uma metodologia na expectativa de encontrar uma teoria do método, como indica a denominação, mas, na verdade, o que encontra é uma profusão de teorias em conflito, geralmente separadas em dois grandes grupos: as linhas de pensamento metodológico que permitem ao pesquisador obter um saber muito grande e rigoroso sobre quase nada e as linhas que permitem a obtenção de um pequeno saber, quase nada rigoroso e com mínimas possibilidades de generalização, sobre os mais complexos e mais profundamente humanos fenômenos que exigem explicação.

           O que deve ficar claro com estes apontamentos iniciais é a necessidade de reconhecer, já de início, o necessário imbricamento que há entre objeto e método, entre o problema filosófico do conhecimento e o problema técnico da pesquisa, entre a teoria e a prática quando o homem é ao mesmo tempo sujeito e objeto na pesquisa. Nessa perspectiva, o objetivo é o desvelamento dos significados ocultos no cotidiano da práxis social, através da abordagem da realidade em seus aspectos mais propriamente humanos (o cultural-histórico), principalmente a fala, a linguagem, o imaginário social, entre outros.

 

A Metodologia

            Uma vez definido, ainda que de forma sucinta, o que vem a ser a pesquisa social, cabe agora a definição do que vem a ser a metodologia. A metodologia continua sendo um dos estudos de Filosofia, muito afim à Teoria do Conhecimento, à Lógica e à Epistemologia, a despeito do recente desenvolvimento independente desses três ramos do conhecimento filosófico. A Metodologia, já na etimologia da palavra, formada dos vocábulos gregos meta e odos, resultando caminho para, indica que o conhecimento deve ultrapassar a fronteira do senso comum, de forma sistemática, através de uma metodologia científica (um caminho para atingir um determinado objetivo). Se podemos dizer que a pesquisa surge quando se tem consciência de um problema e nos sentimos impelidos a buscar sua solução, então o método é o caminho utilizado para se alcançar esta solução. Além disso, a metodologia deve apoiar-se na Epistemologia (do grego epistéme – ciência), um estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas (teoria da ciência); disciplina cujo objeto de estudo é a ciência, estudando de maneira crítica os princípios, as hipóteses gerais, as conclusões das várias ciências para delas apreciar o valor e o alcance objetivo.

            O ponto central da ciência não é a metodologia, que é na verdade um instrumento que nos permite opções teóricas mais claras e seguras, mas sim a realidade, que afinal é o que orienta nossa opção metodológica. Por exemplo, se concebo a realidade como uma sucessão de fatos encadeados entre si como num sistema, tendo a optar pelo método sistêmico (ou positivista ou estruturalista); por outro lado se concebo a realidade como um processo histórico e dinâmico, alimentado pelas contradições internas (movimento dialético) tendo a optar pelo método dialético.

         Por um lado, a metodologia científica pode ser entendida como uma disciplina relacionada à filosofia da ciência (epistemologia e teoria do conhecimento), cujo objetivo é analisar os métodos científicos, avaliar suas capacidades, potencialidades, limitações ou distorções e criticar os pressupostos ou as implicações de sua utilização, nos permitindo a superação do conhecimento acrítico e imediatista (senso comum) e a ideologia, a caminho de um conhecimento sistematizado, coerente e crítico.

          Ao nível mais aplicado, a metodologia lida com a avaliação de técnicas de pesquisa e com a geração ou a experimentação de novos métodos que possibilitam captar e processar informações e resolver diversas categorias de problemas teóricos e práticas de pesquisa.  Além de estudar os métodos, a metodologia também é uma forma de fazer pesquisa, ou seja, como conhecimento geral e habilidade necessários ao pesquisador para se orientar no processo de investigação, tomar decisões oportunas, selecionar conceitos, hipóteses, técnicas e dados adequados. Desta forma, podemos afirmar ainda que a metodologia serve como um caminho pelo qual o investigador (seja ele das ciências sociais ou naturais) deve se conduzir durante uma pesquisa científica.