Poesia & Política

por Luana Pantoja Medeiros

https://lattes.cnpq.br/7355733518783146

postado em jan. 2018

     

            Arte e política são dois propósitos que possuem autonomia e vida própria e instrumentos diversos de operação. Até certo ponto, podemos dizer que são categorias distintas, mas até onde vai essa distinção? Arte e política não compreende somente as relações históricas, mas uma visão particular e peculiar de cada artista ou escritor que se engaja na política através da sua obra artística e literária, sobretudo, deve levar as inúmeras concepções sobre o significado da política na arte.  

            Para Bourdieu, a literatura apresenta-se como um campo de produção e negociação de bens simbólicos no qual “os artistas se ingressam a partir da tomada de posição política e ideológica que define seu local de fala e que explicita as condições sociais que possibilitam o surgimento desses grupos”. (BRAGANÇA, 2008, p. 120).  

            A junção de arte e política  ganhou bastante espaço na América latina e trouxe vários artistas, que foram do anonimato direto para a imortalidade, a partir de seus trabalhos artísticos e literários. O Boom latino americano é um exemplo de movimento literário que surge neste contexto, de uma arte engajada e comprometida política e socialmente.

Disponível em: Slideshare, slide 1

Acesso em 21/01/2017

 

            Neste movimento artístico literário, surgem jovens artistas com trabalhos experimentais, engajados no contexto político, devido ao clima que atravessava a América latina na década de 60. Os artistas que ficaram mais conhecidos na literatura do Boom foram Júlio Cortázar da Argentina, Carlos fuentes do México, Mario Vargas Llosa do Peru, e Gabriel Garcia Marques da Colômbia.

             Estes artistas fizeram de seus trabalhos literários grandes registros históricos de seu tempo, do momento social em que viviam, de forma muito particular, se desvencilharam das normas e regras da arte eurocentrista, mas para que isso fosse possível, suas obras tiveram que circular por outros lugares, e mais precisamente, suas obras artísticas foram às primeiras publicadas na Europa, e tornaram-se mundialmente famosos pelos seus escritos, suas ações políticas e sociais, e muitos deles tiveram a sorte de atingir mercado em outros países seja por viagens ou pelo exílio. A arte engajada se torna política a partir de seus atributos estéticos e escolhas técnicas.

O engajamento com uma causa que tenha em sua gênese uma divergência com os sistemas de controle se torna, sob este entendimento, algo já político. Nasce política. Isto pode nos sugerir uma idéia equivocada e por vezes confusa, quando, e se tratadas por quem desconhece o assunto ou por quem o entende como sendo um fenômeno de moda, de momento, como uma espécie de onda que vem, de tempos em tempos. (VILAS BOAS, 2015, p. 48).

            A arte, nesses termos, pode ser pensada a sua transição e permanência destes complexos sistemas latino-americanos, pequenos espaços culturais nos quais se estabelecem a negociação entre a história e a teoria, sujeito e representação, hegemonia e contra hegemonia conformando novas subjetividades, novas as formas e novos lugares de enunciação.

            No espaço da poesia latino Americana, também surgem às vozes femininas. Além de, no aspecto de poesia e política, literatura hegemônica e contra hegemônica, as mulheres ganham espaço para seu trabalho literário engajado, desconstruindo o patriarcado e dando nova cara a poesia.

É diante do quadro de desigualdade de status e poder gerado pela supremacia da cultura masculina que o movimento feminista, em linhas gerais, questionará a ordem estabelecida pela organização patriarcal, esse modelo único que nega a pluralidade representada pela voz feminina. (SILVA, 2009, p.13).

            A produção literária das mulheres é uma forma de romper com os preconceitos sociais, pois destaca a voz das mulheres em um meio dominado por homens. É uma forma de arte e política, palavra é posicionamento, e posicionamento é política.

            Neste contexto, não caberia mais continuar seguindo as regras de uma poesia eurocêntrica. Muitas mulheres aparecem neste momento de poesia experimental. Cecilia Meireles criou uma imagem acerca da poesia feminina, e segundo Silva (2009, p. 59), Mário de Andrade comenta que, por ter sido a primeira mulher na história intelectual do Brasil premiada pela Academia Brasileira de Letras, em 1939, ela estaria sacrificando-se ao aceitar essa premiação, uma vez que esse reconhecimento por parte da Academia irá situá-la como uma espécie de “modelo” a ser seguido e reverenciado que, por conseguinte, não escapará de rótulos.

            A poesia política é o lugar de fala do poeta, e assim destacaram-se vozes latino americanas, nomes influentes como Pablo Neruda no Chile e Carlos Drummond de Andrade no Brasil. A poesia de ambos os poetas foram de grande influência para a denúncia do estado totalitarista em que ambos viveram. Neruda e suas constantes denúncias sobre o golpe de estado no Chile em 1973, e Carlos Drummond de Andrade em 1945 em A rosa do povo elabora um dos seus trabalhos mais influentes no contexto político, o Brasil passava sob a ditadura de Getúlio Vargas o chamado (Estado novo).

            Falando sobre poesia e política, Neruda viveu para a poesia, onde não só falava de grandes amores, como também “foi um homem da política chegando a se candidatar a presidência em 1969, onde renunciou a favor de Salvador Allende. Neruda morreu aos 69 anos, 12 dias após o golpe militar liderado por Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973” (EPOCA, 2014).

            Sem dúvida, poesia e política é lugar de fala, de posicionamento, e não há como dissociar o escritor de seu posicionamento político, pelo que percebemos, os estados totalitaristas foram momentos de muita fertilidade para que novos nomes da literatura aparecessem, com bastante influência não só na América latina, mas ganhando o mundo literário, repercutindo vozes silenciadas, e pedidos de socorro para seu povo, marcando a história de seu tempo e de suas vidas.

            Considerando a ideia de um engajamento literário através da poesia brasileira, Taborda (2012) analisa a produção literária de poetas como Thiago de Mello, em seu poema  Os Estatutos do Homem, Vinicius de Moraes, com o seu poema Operário em construção, e Carlos Drummond de Andrade, com seu poema E agora José? E conclui que a poesia também possui elementos de crítica social e pretende dar uma resposta aos problemas sociais existentes. Através de suas poesias podemos perceber

o comprometimento dos poetas com o tempo presente, com a descrição histórica e social, mas também com as suas reflexões sobre o que vive interna e externamente, o seu ver e ouvir social, a sua maneira pessoal de corporificar a poesia do fora e dentro de si, longe e perto dos problemas e desigualdades, gerando poema e visão de mundo numa mistura transformadora, transfiguradora (TABORDA, 2012, p. 10).

 

Referências

BRAGANÇA, Maurício de. Entre o boom e o pós-boom: dilemas de uma historiografia literária latino-americana. Ipotesi, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 119 – 133, 2008. Acesso em 21/01/2018.

ÉPOCA. Os últimos Versos de Pablo Neruda [on line]. 11.07.2014. Acesso em: 21/01/2018.

SILVA, J. S. Vozes femininas da poesia latino-americana: Cecília e as poetisas uruguaias [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.

TABORDA, Dircélia Aparecida. Representações de engajamento social em poemas de Thiago de Mello, Vinícius de Morais e Carlos Drummond de Andrade. Monografia (Especialização em Literatura Brasileira e História Nacional). Programa de Pós-graduação de Literatura Brasileira e Historia Nacional, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2012.

VILAS BOAS, Alexandre Gomes. A(r)tivismo: Arte + Política + Ativismo - Sistemas Híbridos em Ação. São Paulo, 2015.

 

Assista alguns vídeos da série "Sabedoria Poética" no nosso canal do YouTube

Assista também a poesia autoral de Luana Medeiros: "Inhambu" e nosso vídeo de Poesia para Crianças

Poética Feminista

11/11/2019 08:44
(Luana Medeiros)   Quando fui embora, Não quis te ferir. Não quis nada para você, somente para mim! Larguei o avental, As roupas no varal, Coloquei açúcar ao invés de sal. E sai sem olhar para...
26/10/2019 15:21
(Luana Medeiros)   Sou quadruplamente marcada -A vida é uma vertigem- Por ser pobre, de nascença Por ser índia, de origem Por ser fêmea, de espécie   Mas ser poeta é o cancro A lepra, a...
23/09/2019 21:23
(Luana Medeiros) Gostarias de ser leve feito algodão? Ser luz na escuridão Ser anseio mais que seios Ser abraços calorosos Ser mais que mulher O coração não seria uma pluma pesada A vida não...
18/07/2019 10:44
(Luana Medeiros)   A fêmea se curva Feito Rio e grandes lacunas Espera a nascente, é Ele, o grande Rio   Curvas para o Rio Curvas, fêmea Riachuelo doce, lágrimas salgadas   A fêmea...
11/07/2019 15:14
(Luana Medeiros)   Sou mulher e sou do norte Mulher e norte apontam a uma direção Região e direção, ponto de partida, retirada  Não pertenço somente a este lugar  E por causa deste...
Itens: 1 - 5 de 5

Poesia

20/11/2022 10:55
por Guilherme Gravina Pereira   Alô Alou, John Mais-valia descer a Rebouças Do que subir a Ipiranga Algarves Don João Joãozinho Methuen  Alegrete Gasolina Faces da mesma medalha Ariadne Sem rumo Sem novelo Sem fio Panos e Vinhos Algaravia Aristóteles dialogando Investigando Na Avenida...
04/11/2020 19:00
  Um amigo disse-me que, no seu entendimento, tudo o que existe no mundo é fruto da imaginação humana. Concordo com ele em parte, pois dizem que o próprio Einstein afirmou: "Mais importante que o conhecimento é a imaginação". Se é que essa frase seja mesmo dele, nessa época de fake news por...
01/10/2019 09:40
(Luana Medeiros)   A que deves a pena Por que algoz te tem rosto de anjo Por que os quatro fonemas te soam feito o próprio demônio atroz   Na terra que chegaste Não há salvação Porque nada te restou   Nem te valeste de teus encantos Nem formosura, nem acalanto Nem eloquência, nem teu...
18/09/2019 10:17
(Luana Medeiros) Há muito tempo resistiu percorrer caminhos que não poderiam ser  conquistados É como caminhar sem destino  É Labirinto perigoso Ave conquistadora, dominadora Mas de que vale a pena Resistir sem conquistar Quem nasceu para vencer Não perde O destino é ave de rapina E...
09/09/2019 10:52
(Luana Medeiros)   Oxum tem o Mar dentro de si As vezes escorre pelos olhos Tempera o choro, salga o pranto   A tardinha Mirada triste Lembra distante   Que esteve perto d'aquele Oceano profundo Era sua morada   Oxum chora Não teve promessa Nem Pente de Vênus   Contos de...

Veja também

1. A Poética de Aristóteles

2. Literatura de Cordel e Política

3. Caridade, o mais longo poema de Parnaso de Além-Túmulo

 

O Livro Fazendo Antropologia no Alto Solimões, vol. 14 traz uma discussão no capítulo 11 sobre

As tessituras do histórico na poética de Washington Cucurto

O livro está disponível para download através do link:

Fazendo Antropologia no Alto Solimões, vol. 14