Princípios da Administração Pública: Moralidade
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2013
Se nós levarmos em consideração que o Estado é um organismo criado e mantido pela sociedade, então é natural que suas leis, aperfeiçoadas e atualizadas ao longo do tempo, tenham uma conotação estritamente relacionada com a ética, como o demonstra o princípio da moralidade na Administração Pública.
O princípio da moralidade na Administração Pública aparece no art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 2015) e segundo Vasconcelos e Bertoncini: formam “núcleo básico regulatório da Administração Pública Brasileira” (VASCONCELOS, p. 208) e, como tal, estabelecem “a base normativa fundamental do regime jurídico administrativo” (BERTONCINI, 2003, p. 87).
A moral administrativa constitui um conjunto de normas que definem comportamentos, os quais devem ser acatados pelos agentes públicos no estabelecimento de rigoroso padrão de conduta que requer postura exemplar e comportamento compatível com a dignidade da pessoa humana, probidade administrativa, confiança, honestidade, lealdade, boa-fé (GIACOMUZZI, 2002), além de um determinado ideal de Justiça (ROCHA, 1994).
O princípio da moralidade é uma norma jurídica positivada ao nível constitucional e assim deve ser compreendida como integrante do sistema constitucional brasileiro, no qual as normas explicam-se umas às outras e assim celebram a harmonia e unidade da constituição (MOREIRA apud PIRES; ZOCKUN; ADRI, 2008, p. 101).
Mas além deste princípio da moralidade, é preciso considerar que mesmo os Princípios Fundamentais da Constituição Federal, em seus arts. 1º e 3º, já apresentam uma conotação ética e moral:
Art.1º - A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Art.3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação (BRASIL, 2015).
O art. 5º da Constituição, inciso LXXIII, também relaciona-se com o princípio da moralidade:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (BRASIL, 2015);
Ou seja, no que diz respeito ao art. 5º, a ação administrativa pode caracterizar-se contra o princípio da moralidade e qualquer cidadão pode denunciar tal ação conforme o caso. Imagine a utilização de carros oficiais por parte da Administração Pública, para fins particulares. Uma vez comprovado o uso do veículo para tal fim, um cidadão pode propor ação na Justiça e sem precisar custear nada, nem mesmo se vier a perder a causa, “salvo comprovada má-fé”, o que, por sua vez, está novamente relacionado com a moral, nesse caso, a ação do cidadão.
Como podemos perceber, os pilares legais do Estado Democrático de Direito brasileiro são marcadamente éticos.
Além disso, é preciso observar que o princípio de que o agente do Estado deve agir de forma Ética no exercício de suas funções públicas inspirou a edição:
- da Lei nº 8.027, de 1990, que dispõe sobre normas de conduta do servidor público civil da União, Autarquias e Fundações Públicas,
- da Lei nº 8.112, de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
- e do Decreto nº 1.171, de 1994, que aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil e do Poder Executivo Federal.
De acordo com a Lei 8.027, são deveres dos servidores públicos civis:
- Exercer com zelo e dedicação as atribuições legais e regulamentares inerentes ao cargo ou função;
- Ser leal às instituições a que servir;
- Observar as normas legais e regulamentares;
- Cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
- Atender com presteza:
1. Ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas pelo sigilo;
2. À expedição de certidões requeridas para a defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal;
- Zelar pela economia do material e pela conservação do patrimônio público;
- Guardar sigilo sobre assuntos da repartição, desde que envolvam questões relativas à segurança pública e da sociedade;
- Manter conduta compatível com a moralidade pública;
- Ser assíduo e pontual ao serviço;
- Tratar com urbanidade os demais servidores públicos e o público em geral;
- Representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder
O princípio da moralidade, inicialmente esteve preso ao da Legalidade, dele derivando em razão de se compreender que a moralidade somente poderia ser verificável quando da análise da finalidade do ato administrativo. A imoralidade tinha sua origem diante da existência do desvio de finalidade verificado em concreto. A discussão nasceu no momento em que a moralidade tomou assento constitucional como princípio da Administração Pública. A imoralidade seria um elemento interno da Legalidade, nada tendo a ver com a ética mais ampla que fundamenta a responsabilidade da ação política (SILVA, 1982).
Dentro desta perspectiva alguns autores dizem que o princípio da moralidade só faz sentido diante do princípio da legalidade – consiste num princípio intrinsecamente vinculado à legalidade (ZOCKUN apud PIRES; ZOCKUN; ADRI, 2008). Tal entendimento deriva, sobretudo, da concepção que compreende a moralidade como elemento integrante da Legalidade administrativa, porquanto relacionada à finalidade do ato administrativo.
Mas esta posição é combatida por diversos autores que defendem o princípio da autonomia da moralidade em relação à Legalidade dada sua natureza principiológica (ZANCANER, 2004; MOREIRA, 2000; MELLO, 2009; ROCHA, 1994; FREITAS, 2004). Há que se reconhecer a autonomia jurídica do princípio da moralidade, sob pena de banir-se a eficácia de um princípio constitucional expresso.
Referências Bibliográficas
BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública. São Paulo: Malheiros, 2002.
MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo e Princípio da Eficiência. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo ANDRÉS (coords.). As leis de processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.
MOREIRA, E. O princípio da moralidade e seu controle objetivo. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício; ADRI, Renata Porto. Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 2. ed. São Paulo: RT, 1982.
VASCONCELOS, Edson Aguiar. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Forense.
ZANCANER, Weida. Limites e confrontações entre o público e o privado. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (coord.) Direito Administrativo
Contemporâneo: estudos em memória ao professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Princípio da Moralidade – algumas considerações. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício; ADRI, Renata Porto. Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
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